quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Ir

Havia uma doce intriga, um perfume de pecado, um não encostar de mãos que queriam estar juntas, uma timidez em entregar-se, afinal...

Os olhares não se encontravam e nunca sorriam ao mesmo tempo. Fingiam que não se viam e deixavam pra procurar um ao outro, quando ninguem tivesse notando.

Tem uma certa cortina que separa. Talvez medo, uma angústia de viver aquilo, uma insegurança em se soltar e cair em vez de voar...

Acho que antes de tudo, o certo é não pensar em cair. É deixar solto, é abrir asas, é olhar pro horizonte e ir além, até lugares que não se sonhava atingir, lugares que ninguém consegue ver, que poucos visitam, poucos chegam.

É amar sem medo de dar as mãos e não odiar sentir forte, sentir muito. É por aí: amar amando. E só.

A peça só começa, quando o palco deixa de ser apenas cortina vermelha. E entram os atores, entram as emoções, falas e atos que se preparam pra viver e vivem.

A peça só começa quando o palco vazio se enche de vida, sorrisos ou dramas, abraços, danças e o que quer que for.

E a peça nunca acaba, porque mesmo que termine, o único fim verdadeiro que posso vim a ter é quando se esquecem dela.

E penso que é assim, simples: lembrar, voar, brincar e viver.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Explodir

Havia algo de fogo, algo de dança, qualquer encanto que nao se traduzia, nao se fazia ou criava. Havia algo de mágica, de alegria, de encanto. De boca que devorava, corpo que tremia, sol que brilhava.

Tinha um toque certo, temperado, quente. Agradando, querendo, amando, sentindo cada parte do todo.
Se é que se pode abraçar o universo, assim era feito: forte, tranquilo, tocante, amante, em paz.

Braços dados, mãos apertadas, corpos unidos, um em dois, em mil, um só.
Agarrando o mundo, chamando, pedindo, chegando mais perto dele, puxando o universo, o infinito.
Se deixando levar, ir, puxar pra perto, colar o corpo no céu, explodir, se deitar em nuvens e despencar lentamente, em solo macio, terreno, quente.

Deitar a cabeça, abraçar, sentir-se aquecida.
Jogar um beijo, fechar os olhos, respirar fundo e enfim, deixar-se ficar, depois de ir.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Quando o silêncio falou

Queria querer o mundo.
Mas havia aquela quietude, uma leve acomodação, um deitar-se em beiras de lagos e em redes de varandas e deixar-se ficar, em vez de ir...

Era manhã, o sol brilhava. Cada parte do corpo deitada na sombra, o cabelo espalhado pra trás, a roupa leve, a respiração lenta...deixava-se ficar em cima da maior pedra, no meio do nada, do mato, perto do açude, pegando a terceira árvore pela direita, ficando lá.
Desejosa de nada, receosa de nada, nao havia ambição qualquer de está em canto nenhum, senao aquele. Um vento leve, um barulho fino de canto de vento, olhos fechados, mao caída de lado, mao jogada pra cima, braços soltos, pose displicente, quase um sono, um dormir....

Sentiu quando chegava: vinha quebrando sua paz, invadindo, rasgando. O corpo se ergueu, as maos apertaram o peito, os olhos atentos pra aquilo que chegava, que vinha...

O que seria, o que era, saberia a seguir...mas vinha correndo, vinha com pressa de chegar, se aproximava mais e mais, a cada pedaço do tempo, mais e mais...

Fechou as maos no decote do vestido, pensou em esconder-se atras da árvore, observou que nada a camuflaria e que o que quer que vinha, o que quer q fosse, colocaria os olhos sobre ela, a conheceria.
A respiração funda, os lábios sendo mordidos por dentes aflitos, um palpitar de coraçao, a coisa se aproximando, o que ou quem...

E a cena foi assim: ela já tinha se erguido, de pé, fitava aflita sua chegada. Ele que nao esperou encontrar ninguem e terminou por encontra-la. Em cima da pedra, vestido leve, cabelos ao vento, olhos escuros e enormes, apreensivos, curiosos. Ele que chegou e foi até ela.

Soltou um bom dia e esperou resposta que nao veio. Aproximou-se aos poucos e sorrindo, disse seu nome e de onde vinha. Perguntou sobre ela e nada ouviu. Observou que as maos ainda apertavam o vestido, segurando firme, no decote que leva ao peito, ao coração. O que ela fazia ali era a proxima pergunta, mas o silencio veio a seguir, como antes e sempre.

A moça nao piscava, nao tirava os olhos dele. Parecia temerosa, parecia que fugiria a qualquer instante, parecia que evaporaria no proximo minuto e nada que fizesse a partir daí, a traria de volta, a colocaria diante dele.

Sentou-se querendo a moça e resolvendo nao querer. Nada mais disse, nada mais falou. Deixou-se ficar ali, do lado dela. E a moça estatica, em pé, olhando-o, desejando, receiando...

Quando o barulho de saias mudou, quando ela sentou-se, olhando-o, resolveu encara-la, perder-se em seus olhos, ficar ali. E, pensando que ela fugiria, descobriu que ia ficar.

E assim começou a conversar com a moça, que nada falava, nem ouvia, mas lançava com o silencio mil perguntas que aprendeu a responder sem palavras.

E caíram noites e mudaram dias, a historia que continuou em tempos de sol, de sombras e que nunca terminou, nunca termina.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

O último antigo


Um par que não bebe, nem beberica, nem se deixa levar pelo romantismo de vinhos e velas.
Uma mesa absurda, de uma situação diferente: onde já se viu prostituta reclamar de cliente?
....
O vestido é decotado e extravagante. Pintava o fundo do bar, de um vermelho fúnebro, visto que a pouca iluminação roubava o tom vivo da roupa.

A palidez dos corpos combinava com o verão que nunca chegava. E ainda tinha o tom de seus espíritos presos na voz que deveria sair a seguir: em tom lamentoso de quem se despede.

Casar-se-ia dali há dois meses. A noiva era ninfeta e rica. Mudar-se-ia pra um local tão distante, que falar de visitas era o mesmo que zombar do possível.

Guardaram as vozes, deixaram morar o silêncio. Tentaram ignorar as lágrimas que caíam em chuvarada. O soluço tímido foi o único som que se ouviu e dali em diante, seria apenas uma passagem para um mundo triste.

Tinham aquela platéia molhada de alcool, caída em torpor, debruçadas no abismo da embriaguez, caindo. E mesmo o mais bêbados dos mais bêbados botecos, chamou a consciencia, pra levantar o copo vazio e brindar à melancolia e beber ao reencontro.

Nada pronunciavam em vozes e os corpos meio afastados, tentavam se acostumar com a distância que vinha. Cabeças abaixadas, o último toque foi um ensaio de abraço. E ela segurou o queixo dele, com carinho de quem conhece o melhor toque. E ele abraçou o corpo dela, com o toque de quem conhece o melhor carinho.

Não se despediram, nada disseram. Não colocaram o amor em vozes e toques, deixaram ele solto, espalhado, pendente, voando até um dia que viria de novo. E chegaria.

E, daqui até lá, não existiria mais o carinho de quem conhece o melhor toque e nem o toque de quem conhece o melhor carinho. E os tons de roupa deixariam de parecer brilhosos e fortes porque, não há de se falar em cores vivas, daqui até lá.

Interlúdio.
Que seja breve.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Um pessoal

Longe de mim ser dessas escritoras que não fazem dos contos, um espelho do que carregam por dentro (aliás, longe de mim me dizer "escritora").

Já rasguei a alma e me despi pra vocês, mais de 50 vezes. Derramei uma sacola de personagens que carregava comigo em histórias interessantes, bizarras, cômicas, angustiantes, de despedida e de amor (entre esses, os outros que ainda não se apresentaram e que chegarão naturalmente, saírão do lugar onde estão escondidos e aparecerão para vocês, com sorriso tímido ou radiante. Com lágrimas ou malabarismos, ou qualquer outra espécie de característica que os colocarão o mais próximo possível de mim, do que vivo em dias, do que sinto em momentos, do que preciso contar pra alguém.)

Esse blog começou assim: uma conversa mais feminina, mais intimista, com um perfil quase agressivo de quem precisa se auto-afirmar, como mulher.

Pois bem, amigos (se é que alguém ainda ler isso aqui), e principalmente, amigas que se identificam com as personagens do texto: talvez os decepcionem, mas resolvi mudar. Sem mudanças quanto a minha pessoa, ou em relação a maneira que escrevo: quero fazer rir e chorar, posso? consigo? Essa é a questão. Quero descobrir se consigo.

A estória é que não preciso, nao sinto mais necessidade de me auto-afirmar enquanto mulher. Minha vontade mudou e subiu. Enveredou por caminhos mais altos e já sentiu os primeiros espinhos das árvores em que se encostou, pra descansar.
Vou tentado, agora, me afirmar como ser humano. Deixou de ser pessoal e começou a ser mais amplo. Deixou de ser "auto", pelo menos. Mais do que nunca quero conversar com vocês. Preciso. E sobre muitos! Homem, mulher, menino, velha, sertanejo, empresário, lua, sol. Que sejam tristes, se quiserem se apresentar como triste, os deixarei a vontade, desfilando, fazendo desse blog, seu palco, onde caminharão com as próprias pernas. Que sejam alegres se assim determinarem! "O que não tem governo, nem nunca terá", já dizia uma música. Que desfilem desgovernados, que sejam naturais, que não escondam as caretas e nem as cicatrizes no corpo. Que sejam eles.

Que alguns gostem deles, enquanto uns outros torçam os narizes (Se é que vão ter platéia, embora não se importem muito com isso, a sede de viver de alguma maneira, faz a parte da platéia ser agradável se existir, mesmo que não deixe de ser, se não exista).

Garotas, vocês deixaram de ser o público alvo desse blog. E olha, observa se não é interessante, a diversidade da platéia agora. Observou aquele ali, nem alto, nem baixo? Penso que ele olhou pra você, joga um sorriso de volta. Analisa se vocês reagem ao que passa pelas "cenas", de maneira parecida ou não: se tremem diante de alguma parte mais claustrofobica (se sim, toma coragem e pede um abraço), ou se saltam a maior gargalhada do público presente (se não, toma coragem e diz que o sorriso dele é lindo. Ou espera que ele se aproxime e fale bem do seu sorriso mais tímido).

Não deixe de dividir, embora as idéias sejam diferentes. Daí é que nasce a compreensão e compartilhar coisas diferentes, além de ser um ensinamento, também é um aprendizado.
Se suas sombras já se conheciam de algum canto e se o frio na barriga 'tá mais forte que todos os outros, se permita ficar nervosa, é normal. Mas nao deixe que o nervosismo atrapalhe nada que pode ser especial. Aliás, até o que não vai ser tão especial assim: que não atrapalhe nada!

Vai lá, nao 'to traindo ninguém. To chamando heterogenia pra platéia. Te trouxe uns paqueras e uns amigos mais velhos. Trouxe algumas crianças tbm, mas as mães e pais, prometeram controlá-los. Alguns palhaços e adolescentes. Pode ser um pouco menos agradável, algumas vezes. Mas se permita observar o diferente, pelo menos. Tente viver a mistura, a parte que não é selecionada. Assim não se vive no mundo? Então! Sem platonismo de se apaixonar por um mundo que não é real, combinado?
Aqui, escreverei com batom, com lápis, caneta ou giz. Misturando as cores, formas e texturas. Desenhando um palco, que se aproxime o máximo possível do mundo real. Do que vivo e enxergo nele.
Espero não decepcioná-la, garota. Nem a ninguém.

Agradeço a paciência, não prezo por preferência. Sintam-se a vontade pra chegar e partir. E até pra nunca virem. E desculpa aí, qualquer coisa. Tem coisa que nasce pra ser "qualquer" mesmo. =D

=)

Bjão,
P.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Uma das mil e uma maneiras como te vejo.

Meu menino é assim: andando descalço na praia, correndo até o ponto do mar onde se consegue agarrar peixes com as mãos.

E ele pesca durante todo o dia e totalmente entretido, nem se dá conta da coleção de peixe que vai acumulando durante aquele tempo.

O engraçado é que o meu menino tem um dom, um dom que desconhece, de pescar o colorido. Parece uma aquarela deitada no chão da areia, todo aquele amontoado de peixes brilhosos e furta-cor, que ele vai desenhando aos pouquinhos.

Traz o vermelho, traz o azul, pega o cinza e o amarelo. Não pensa numa ordem exata de combinação de cores. Carrega do mar até à terra e magicamente deixa cair em um canto perfeito, onde a cor exata forma um arco-íris de peixes.

Meu menino é assim: meio mágico. Visualiza adiante o melhor caminho e na sua capacidade de sempre imaginar caminhos bons, mora a indecisão sobre qual deles deve pegar primeiro.

Disfarça com pessimismo toda a certeza de sorrisos. Prepara-se pro pior, fecha os olhos e pensa que o próximo peixe não terá brilho algum.

E, sabe-se lá como, se é a certeza que no fundo carrega de que vai conseguir trazer colorido até à areia, ou a vontade de todos os peixes brilhantes do oceano de nadarem até ele, termina ficando assim: uns passando admirados, outros achando apenas belo e toda a praia diferente com a passagem do menino.
Outro ar, outro mar. Mais cor, com certeza.

-Foi o menino que espalhou!

E ele, alheio, descobre que com a camisa pode fazer uma rede. Usa a rede que criou com a imaginação e continua fazendo arte na praia.
E os peixes continuam chegando, mais bonitos e maiores.

E ninguém nunca vai ter a certeza se é a mão ou rede do menino que agarra os peixes ou se são os próprios peixes que agarram a mão ou caem na rede do menino.

Por, talvez preferirem ser arte, em vez de peixe.

Por saberem que o meu menino faz assim:
Faz arte do simples e do nada.
Faz arte por ser arte.

Meu menino.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Sobre o amanhã de hoje.

É que tem um tanto imenso de alegria em cada rosa que colocava, adornando a fantasia, enfeitando-se de cor.
E tinha aquele vermelho vivo de quem veste vermelho quente, de quem vive o quente de um vermelho forte.

Tinha uma mística vontade de ler coisas boas, em mãos, em pés, em corpos, em olhos, de outros e todos.
Coisas boas pra eles.

De arrastar parte da saia por chãos que não conhecia e deixar qualquer rastro de si.

E uma comemoração desses olhos brilhantes que espelhavam o interior dela mesma: aquela vontade cantante de gritar alguma dança muda.

Alguém entende?

terça-feira, 9 de outubro de 2007

De branco

E esse aqui é só porque o moço quase caiu da janela e ela o segurou com mãos quentes, de quem mesmo depois de perder todo o licor que ele derrubou na calçada (e nela), conseguiu dançar ao som de música nenhuma.


(tenha medo não, moço.
ela segura.)

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Um fraco

Ela viveu aquela cena e nao conseguia enxergar a importância de outras que vieram e viriam.
Diminuiu todo o resto, desencantou-se com a alegria, brigou com a felicidade e pegou as maos do vazio.
Caminhava e nao sorria. Existia um certo tom de proibiçao em cada curvar de lábios e em cada momento bom que desfilava em seus dias.
Começou a discursar sobre o nada e atraiu até um certo público. Escureciam os cantos por onde passavam e largavam verbos soltos, desconexos, deixando que cada pessoa de cada canto formassem um pensamento inútil e se aliasse a tropa.

Ficou satisfeita pelo coro animado em suas vozes mais destrutivas de si.
Escreveu a música mais cantada dos tempos do fim do mundo.

...

Ela viveu aquela cena como se não fosse a última. Esperou a próxima e várias de dias que viriam e vieram.
Aumentou todas doses, alegrou-se com um samba antigo, dançou com os amigos e pegou na mão de quem amou.
Existia um certo tom de quem vivia, de quem carregava os dias de sorriso, de quem fazia desfilar o que quer que fosse bom.
Começou a deixar pensamentos soltos pelo ar, despreocupou-se, desocupou-se de ocupar-se de si. Atraiu um certo público suave, leve, cheio de saias soltas e pés descalços. E em cada canto que iam, cada lugar que passavam, alguém cantava algo que fazia dançar.

Ficou satisfeita pelas vozes que falavam que estava bem, fazendo coro do que sentia.
Viveu os melhores dias do tempo dela.
E foi.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Sobre os que não dormem

O corpo molhado de suor, febril.
Carregando o verão que chegaria...


Levantou-se da cama, tentando vencer o pouco sono e a vontade de ficar.
As estrelas que sumiam, anunciando um novo sol, o dia que chegava, apagando aquela noite dela...

A vista não era da melhores: pela janela, milhões de apartamentos ponteando seu horizonte sem mar, sem praia, sem uma visão romântica sequer que espelhasse o que sentia.

E o coração ia endurecendo como o concreto da cidade que surgia. O quarto ficando sufocante e o corpo nú envergonhado.

E ele ainda dormia em sua cama.

A insônia foi o que não permitira que o acompanhasse e caísse em sonhos tranqüilos, esquecendo o dia que chegaria. Essa maldição antiga que sempre carregava sua noite de pensamentos inúteis sobre o amanhã, onde pré-vivia o que quase sempre nem chegava.

E ele caído em sonos profundos. Desfalecido. Respiração lenta, de quem não precisa acordar com urgência de viver.
De quem não tem pesadelos, nem medo do sonho seguinte ou agonia de dormir.
Ele que se deleitava em vida e em sonhos, sem qualquer martírio sobre nada. E ela, seu par, carregava tanto medo de dormir, quanto de acordar, provando que mais do que erro, seria um pecado deitar tanto peso na cama leve em que ele dormia.

Pensou nos passos seguintes e no pedido educado para que acordasse, comesse algo da geladeira e saísse em seguida.

Não quis pensar que ele retrucaria. Ou que a puxaria com a força de ontem, sem que ela tivesse qualquer chance de sair. Ela que até lutaria, mas perderia pra sua própria vontade dele.
Assim como antes, o dia de ontem, a noite que desapareceria com o dia. Aquela noite em que todos os "nãos" foram encerrados para que se permitisse ser um par, aos tropeços, dele que merecia os mais belos pés das mais belas danças.
E nunca os dela.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Apagar o que foi dois

É que a tendência era a separação. Segregar partes dele e dela, como se nunca tivessem sido uma. E se é que foram uma, apagar cada lembrança em que não tivessem vivido separados.

Luíza amarrava o coque alto na cabeça, cantando algo simples, deixando a melodia se espalhar pelo ar. Seu canto não era triste e nem sua voz bela, mas havia algo, existia algo nele que gelava os corações de quem ouvisse.

Aquele famoso susto, frio no pé do estômago, tremedeira na base das pernas, algo impressionável, como paixão ou fruta madura. Algo pronto pra ser colocado pra dentro, pra sentir gosto melhor do que qualquer outro e lambuzar os lábios, deixando cair um pouco do açúcar, o doce do que se devora, engolindo todo o resto.

Macaco era seu apelido e ele fingia que não tinha nada a ver com aparência. Imaginava que era flexível e essa flexibilidade o fazia alcançar os galhos mais longíquos e pendurar-se e balançar-se e brincar em cima de árvores enormes e pular pra edifícios e torres.

Sonhava que pulava da ladeira mais alta e dançava no ar. Como o melhor trapezista agarria em algo firme e encerraria sua apresentação com uma manobra final. Alguma que parecesse mágica, que faria com que gritassem o seu nome, imaginando que morreria e no próximo instante gargalhassem de felicidade por encontrá-lo vivo.

Retirou do apelido mais comum o seu personagem circense. E nunca teria a ver com sua aparência, desde que não pensasse assim e continuasse subindo em galhos imaginários, os mais altos, das maiores árvores.

E Macaco e Luíza existiam a parte, porque escolheram assim. Ele não queria um som melancólico acompanhando sua manobra brilhante. Ela não precisava cantar pra algo ou alguém.
Deixavam correr soltos seus corpos e vozes e voavam, cada um a sua maneira, mesmo que um dia tivessem dado seus melhores vôos juntos.

É que tentavam buscar sua própria felicidade cada um, já que não havia sentido em procurá-la juntos.
Não mais.

(É que a tendência era a separação. Segregar partes dele e dela, como se nunca tivessem sido uma. E se é que foram uma, apagar cada lembrança em que não tivessem vivido separados.)

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Mãos

O homem massageia seu pescoço como um Deus!
Vai descendo pelas costas, seguindo um ritmo que ela jamais conhecera.
Aperta mais firme onde deve, deixa solto onde precisa, entendendo perfeitamente os leva-e-traz do seu corpo.
Uma parte mais tensa exigindo uma mão mais forte, enquanto uma outra puxa seus cabelos de leve.
Olha com tanta urgência pros seus olhos que ela sente medo. E mesmo assim, deixa a boca entreaberta, um convite mudo de quem se entrega.
E ela espera que ele a beije, mas acontece que ele a devora.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

O truque das estrelas e do céu

E enquanto o tempo passasse, cada pedra continuaria no mesmo lugar.
...
Até que alguém chegasse e mudasse a ordem das coisas...

Nowhere City.
Janeiro, fim dos tempos.

O mágico da casa 23 está doente e a cidade anda triste.
Parece que não nos acostumamos mais a dormir sem o seu truque das estrelas... Faíscas douradas subindo ao céu e ponteando cada espaço vazio. Faz três dias que dormimos sem estrelas e, pra ser sincera, mal conseguimos dormir.

Existe uma agonia silenciosa. Um medo de deixar de ser príncipe e voltar a ser sapo.
Acontece que cada habitante se acostumou a acordar sabendo que um milagre encerraria o dia. E daí em diante a idéia de um céu sem estrelas, tornou-se inaceitável. De cada cartola esperaria-se um coelho. E sempre seria assim.

Dizem que suas faíscas não passam de truques bem feitos, de quem muito estudou pra dominar a arte de iludir e despertar incertezas e que sobreviveremos sem isso.
E eu só consigo pensar no dia em que ele chegou: eu, menina, soltei da mão de alguém e corri pra receber o viajante. Toquei sua capa longa e esperei ser carregada. Sentia que suas mãos eram mágicas e me fariam sentir melhor. E ele me carregou e me mandou tocar o céu. E eu fechei os olhos e achei tão possível que o senti na ponta dos meus dedos e ao alcance de minhas mãos. Por isso choro pelo mágico e torço pra que ele não carregue sua maleta de sonhos pra longe de mim.
E não me importo que seja truque.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Era o verde, era.

A árvore cresceu com ela, com a moça.
Cada vez, ela voltava pra fazenda e observava: tinha algo a mais ali e nela.
Algo que faltava nela e não faltava ali.
Alguém com quem até brincou um dia, carregava um filho na barriga e tinha um outro pegando pelos mãos.
A menina casara-se com o vizinho mais próximo e o amara desde então. Os filhos chegavam, todos de sorrisos tímidos, como o dela. Mas sorrisos de quem não carrega culpa, nem peso. Sorrisos leves.
Acordar e viver de um jeito simples. Sem querer a mais ou querer a mais o que não estava tão longe.
E sempre poder correr de pés descalços nos mesmos espaços em que crescera, a menina. Em que alguém, aquela moça, brincara com ela, até que partia. E sempre partia. Partidas que no começo não eram nada mais que curtas. Partidas que cresciam, assim como as árvores e as plantas e o vira lata com quem brincavam.
E o tempo o envelhecia.
Um dia ele morre e a moça nem volta pra jogar um último beijo no montinho onde o enterraram.
E tampouco volta pra saber se o seu cavalo branco, mais companheiro, ainda vivia.
Ou ela, a menina.
Sorriu pra moça, aquele sorriso de antes.
Lembrou que brincavam de escola e ela era a professora.
Aprendeu o alfabeto com ela e achou incrível. Era como uma mágica que algúem carregava e fosse derramar por perto, de tempos em tempos: de mês que passou a ser ano e passou a não ser mais tempo algum.
Apertou forte a mão do filho que ainda não estava na idade de aprender aquelas letras, a mulher.
Chegaria o dia em que contaria pro filho o que aprendeu com a moça. E ele aprenderia a ler.
A moça nunca saberia de tudo isso, porque não voltaria mais, ou porque não esperava que tivesse sido tão importante, enquanto simplesmente brincava.
Só viu que ela sorriu de volta, um sorriso triste, de quem quer além de tudo. A moça olhava em volta, saudosa dos dias em que viveu e não quis muito mais que nada. Admirou a vida que não teria diante de si, aquele sorriso tímido e leve, retratos de uma satisfação que nunca alcançaria na vida. Porque deixou de amar o simples e o simples tinha ido embora: estava enterrado fundo em cada coisa que, sem ao menos dizer adeus, ignorara.
Triste moça.

sábado, 15 de setembro de 2007

E sempre esperando que as histórias fossem melhores e mais intensas.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Marriage

- Lucas, gostei do seu último artigo.
- Finalmente você me elogia. Tinha parado de escutar isso há uns 2 meses.

E quatro dias. Era exatamente o tempo em que estavam morando juntos. A decisão não foi precipitada: namoravam há 7 anos e sempre tiveram certeza de que terminariam juntos. Mas... porque aquela sensação de que tudo estava errado? E porque se irritava quando, abrindo a farmácia do banheiro, achava todas aquelas coisas dela: cremes e potes e sabonetes e pílulas e pílulas e pílulas.
Sofria de "enxaqueca", ela dizia.
O onibus dava enjôo, ela falava.
A pressão subia na tpm, contou.
Sem o anti-alérgico não sobreviveria, dramatizava.

O engraçado é que, em 7 anos, jamais imaginara que sua namorada era hipocondríaca. Ou ela disfarçava bem, ou não conviver com ela, como agora, ajudava a ocultar isso e outras e outras e novas coisas... e mais algumas: ia descobrindo uma nova mania, um gesto, um tique, uma paranóia, todo o tempo.
Sufocava a cada dia.

Ela nunca pensou que moraria com algúem, assim, daquele jeito. Tudo bem, era moderna e acostumada com a nova cena, pelo menos era sobre o que escrevia no mesmo jornal em que ele contava sobre economia.
Se conheceram no trabalho, foi inevitável: bancadas vizinhas em que passavam horas divagando e escrevendo, divagando e escrevendo... Logico que chegara o momento em que se reparariam.
E assim começou. E aqui continua indo.

Tivera sonhos romanticos sim, era mulher, foi menina, brincou de barbie, leu cinderela e acreditou em fadas e príncipes. Nao esperava um cavalo branco, mas aquela situação não era nem de longe o que sonhara: nem tinham anel de compromisso. Não se sentia casada. Dormiam na mesma cama, dividiam a mesma casa e rachavam as despesas. Mas o que seria aquilo, casamento? Nao se sentia mais que uma mistura de empregada e namorada.

Sua enxaqueca aumentara desde que resolveram assumir aquilo. Entupira todas as gavetas da casa de dorflex. E iria no médico exigir um analgésico mais forte. Não tinha paciência pra cozinhar, limpar a casa, atender os telefonemas e transar com o "marido". Toda vez que ele deixava uma camisa fora do lugar, perguntava o que iam comer, o telefone tocava e quando, de noite, ele começava com aquele jeito tão familiar a pedir carinho, parecia que a cabeça dela ia explodir. Vinha disfarçando bem, se entupindo de analgesico, lógico. Na verdade, sabia: precisava de um entorpecente. Mas desde que casaram não usaram drogas "legais" ou ilegais. Precisava ser dopada. Pq ele nao notava?

- Não viaja, foi só um elogio - disse.
- Vou ler sua coluna, agora.
- Faz três horas que você tá lendo jornal e até agora nao viu minha coluna?
- Vou ver agora, Luana.
- Certo.
- Que foi?
- Nada nao.
- E porque essa cara?
- Nada, mas sabe a primeira coisa que eu faço quando abro o jornal? Vou direto pra sessão de economia e leio tudo que tem teu nome embaixo. E olhe que nem me interesso pelo assunto!
- Mas, meu amor, você tá irritada com isso? Você sabe que eu adoro o que você escreve!
- Adora tanto que lê por ultimo...
- Ah, Luana...nao quero discutir.
- Certo, me ignore.
- Meu irmão! Qual é o seu problema? Eu nao fiz nada de errado, po!
- Vc faz TUDO errado, Lucas! Tudo! Você joga as camisas no chao, você nao atende a merda do telefone, você nao me ajuda com a casa, mal me escuta, mal me olha e ainda espera que eu prepare lanchinho enquanto você ler QUALQUER MERDA QUE NAO SEJA MINHA COLUNA!
- Seu problema sou eu, entao? Você quer que eu vá embora?
- Só quero que você me deixe em paz, ok?! Vá embora se quiser, mas me deixe em paz!

Ela começa a chorar. Ele morre de pena. Ficava dividido: obedecer o impulso de sair pra qualquer canto, batendo a porta com força e deixá-la só, ou consolá-la e abraçar e dizer que tudo vai ficar bem e que ia se organizar melhor, a partir de agora.
Ela era linda. Reparara, um dia, que mesmo na cozinha, suada (pq o apartamento era poente e a grana deles curta), cabelo preso, cheiro de temperos, cara de poucos amigos por nao saber cozinhar, ela não conseguia ser qualquer coisa senão linda. E ele só tinha vontade de beijá-la e falar que amava muito.
Mas ela andava tao distante que nem sabia mais o que dizer...

- Luana, desculpa.
- Me deixa.
- Nao precisa chorar, desculpa.
- Você nao entende...
- Nao, mas me ajuda a entender, me conta o que 'tá sentindo...
- Eu nao sei...tá tudo tão difícil...
- A casa, é? Difícil de cuidar? A gente pode contratar alguém... eu chego tarde, saio cedo, nao tenho tempo pra te ajudar com isso. Mas, desculpa, fui egoísta: pensei que só porque seu horario de trabalho era menor que o meu e por voce ser mulher, saberia cuidar melhor dessas coisas...desculpa...
- Nao temos dinheiro pra contratar ninguem...tem aluguel, condomínio, agua, luz, comida, telefone...tah tudo diferente, Lu...
- Amor, eu me esforço. A gente estica a grana. Nao quero mais te ver chorando. Nem quero continuar mantendo nada que afaste a gente, assim...
- Deculpa, amor...ando nervosa...
- Eu sei: culpa minha. Me mate.
- Ahahaha! Mato mesmo, voce merece.
- Amor, deixo tua coluna por ultimo pq sempre deixo as melhores coisas por ultimo, lembra? Quando eu to almoçando, por exemplo, separo a picanha e deixo pra comer depois de tudo.
- Tá chamando minha coluna de picanha?
- Nao, mas a escritora é tao gostosa quanto.

Riram do elogio-piada-chinfrim, se beijaram e transaram no sofá. Depois,ele foi tomar banho, enquanto ela ajeitava a bagunça da sala. Saindo do banho, ele ajustara o despertador do celular e se deitara, esperando que ela tomasse banho e fosse pra cama. Quando ela deitou, ele já sonhava.
Um novo dia, amanha.
Melhor?

Passaram a semana toda procurando empregada. A grana cada vez mais curta, o telefone cortado e ele ainda dormira fora duas noites, dizendo que ganharia um adicional se pegasse horário noturno. Ela imaginava mil coisas e nao se concentrava em nada. Cortara o dedo, fazendo almoço e ele ainda não gostava do que ela cozinhava. O dorflex acabando, as enxaquecas piorando e pra piorar: sua menstruação atrasada há 8 dias.

Mas tudo se resolveria e teminaria bem, no final. Quando ele tomou a decisão mais difícil de ficar em vez de sair e bater a porta é porque sabia que valia a pena.
Acho que isso muda tudo, não?
É o que dizem...
(...mas porque ele não ajudou a arrumar a sala?) =/

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Um romântico?

-As coisas mudaram um pouco, nao é mesmo?

O local era aquele que costumavam ir. A parte mais alta da cidade pequena. Onde um vento certo batia, fazendo cabelos balançarem soltos e roupas colarem aos corpos. O ideal pra quem carrega amor, em vez de paixao. Aquela paz...

- É. Mas nao tem nada a ver com a paisagem...
- Nao. Nós que somos a parte intrusa de tudo isso.
- O que o tempo nao faz? Nós que nos dizíamos parte disso...
- Parece que ele carregou a parte da gente que combinava...
-É...

Aquilo soando sério. O vento, antes, confortável, batia frio, incomodava. Ela queria prender os cabelos, ele segurava a blusa pra que nao voasse muito. Eles que nem se olhavam, mal sorriam, mal falavam, eles que nao perteciam mais àquele lugar...

- O q vc..
-tem feito? - falaram juntos.
-Ahahaha! Isso continua!
-É! Parece que continuamos combinando as palavras em pensamento...
-e falando na mesma hora. Como antes!
- Como antes.
-É...

E as lembranças corriam soltas. Nao falavam...As vezes, deixavam os olhos se perderem na paisagem ou se encontrarem acidentalmente, gerando uns sorrisos desengonçados. Sabiam que estavam compartilhando o tempo deles. O tempo que tiveram juntos.

Alguém que se deitava no colo de outro e nao precisava sentir mais nada. Um dos dois que chegava atrasado e como desculpa, trazia um sorvete que dividiam. Maos que tiravam os cabelos dos olhos, do rosto, para que pudessem se despedir da tarde com um beijo. E a noite que caía e precisavam ir pra casa. E as mãos dadas descendo ladeiras que podiam nao terminar nunca. E a saia dela voando que ele reclamava, brincando de ciúme fingido. E as sandálias dela que ele carregara tantas vezes na mao, quando ela preferia ficar descalça. E quando ela brincava correndo, dizendo que ele nao a alcançaria. E todos os abraços fortes que terminavam sendo o fim da brincadeira. As explosões de paixao, no meio do caminho, atras da igreja. E os olhos marejados por sentirem o que nao entendiam. E cada brincadeira que inventavam pra passar o tempo, esperando que a noite chegasse. Juntos...

(...

- Eu nao queria que você tivesse ido...
- Eu nunca quis que você ficasse.
- Você nunca me pediu pra ir junto...
- Você nao teria ido comigo.
- Nunca imaginei que fosse vê-lo, outra vez.
- Nao era pra ter vindo. Mas eu precisava vê-la.
- Porque você voltou?
- Vou embora daqui há 2 dias. Tinha que te ver.
- Vai me abandonar de novo...
- Deus, você continua tao linda quanto antes!
- Queria que pegasse minha mao e me levasse pra longe.
- Queria beijá-la e que me pedisse pra ficar.

...)

Mas nada disseram. Os olharem contiuavam perdidos e o vento frio, ficava cada vez mais forte. A noite caía, as luzes se acendiam, a paisagem ficava mais bela. Era a hora de se despedir da noite com um beijo. Mas o silêncio continuava e os olhares nao se cruzavam mais. Os corpos elétricos e sufocados, perdendo o momento de se unirem, de conversarem sobre o que tavam sentindo, de fincarem unhas e maos em corpos, de se agarrarem, concordando silenciosamente, que nao queriam sair dali.

- Bem, acho que é hora de dizer adeus.
- Previsível, ran? Cai a noite e vamos embora. Como antes.
- É. Como antes, iremos embora.
- Tão igual e diferente...
- É...
- Foi ótimo te ver, espero que você seja feliz na vida.
- Eu...também foi otimo te ver. Felicidades também.
- Até.
- Adeus... vim a trabalho, vou embora daqui há dois dias.
-Certo, mas eu prefiro até.

E ela começou a descer a ladeira sozinha. E ele ainda ficou uns momentos ali, observando-a. O vento frio, ferindo, cortando, levando a lágrima solitária que caía, pra longe, embora.

Perderam o momento de dizer "eu te amo".
Dizem que quando isso acontece é como se cada estrela do universo entrasse em acordo de que aquele amor nao deveria continuar existindo mais.

É quando a paisagem, entao, muda pra sempre e nenhuma vírgula sequer, consegue voltar a ser como antes.
É quando acaba.
Enfim.
















sexta-feira, 7 de setembro de 2007

E se escrevesse hoje, denunciaria o que vem sentindo.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Intrudução a um novo Drama.

A areia fervia.
A canga fina embaixo de seu corpo deitado, nao ajudavam-na a separar a quentura do corpo do fervor da areia. Uns minutos a mais, insolação nao tardaria. Esperaria...

Olhos fechados, pingos indinstintos pelo corpo, pelo rosto. Um maior chegando à boca com um gosto salgado de lágrima ou suor, mas nao saberia dizer, ao certo, qual deles.

Sabia que queimava. E era como se queimando pudesse também incendiar todo o seu interior. Era como se o gelo por dentro, a frieza de mulher ressentida, evaporasse.
Evaporavam partes dela...

A praia era deserta mas sentiu uma presença. Dizem que quando se está morrendo de insolação, a mente produz imagens de conforto.
E ele estava, agora, na sua frente.
E era um lindo delírio.

Começara um novo drama. Mas...que drama seria aquele? Ja vivera milhares e todos lhe diziam respeito. Que inferno novo começaria com tudo aquilo?
Sentiu raiva e a raiva aliara-se ao sol pra queimá-la.
Partes dela explodiam...

Dez anos...dez anos longe dele, dez anos sabendo que ele tinha sido o responsável pelo fim de seu sonho e o começo do pesadelo, que começava com um casamento sem amor e um alguém que a mantinha presa.
E aquela praia deserta era sua prisão. E os telefones nao funcionavam e estava distante de qualquer estrada. Tanta areia, mar, horizonte, inspirando liberdade, em sua cadeia particular.
Dez anos confinada em uma cela de liberdade.
E ainda amava aquele sorriso odioso.

Fechou os olhos com força.
Quando os abrisse, ele despareceria.
Em seu lugar surgiriam manchas escuras de quem queima o olhar no sol.
Tinha certeza.

- Melina, nao precisa fingir que está feliz em me ver. Mas poderia, por favor, esboçar alguma reação que me viu e cobrir esse corpo tentador?

Ele sorria. Ela nao via, seus olhos continuavam fechados mas ela sabia que ele sorria.
Lágrimas.
Dessa vez, tinha certeza: o gosto era de lágrimas.
Ou seria.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Três tempos

Liga o som, Patrícia.
Faz tempo que nao toca nada nele.

Exitiu um tempo, eu lembro, as melhores músicas e mais felizes.
Algumas, poucas, com seu charme down. Penso até que as melhores.

Acontece que ele nao tem tocado nada.
Tanto som ansiando por se propagar no espaço.
E nada.

Silêncio.

....

Mexeu no celular.
Já sabia o caminho: configurações -> mensagens -> mensagens gravadas.
Releu as mensagens dele.
Houve um tempo, pensou...
Se perguntou como poderia ser diferente?
Existia alguma maneira certa de respondê-las para que nada desse errado?
Existia um jeito, definido, correto, de corresponder-se?
Nao. Jamais responderia de uma maneira adequada.
Sempre deslocaria uma vírgula e estragaria tudo.
Melhor aproveitar aquilo que nao tem problema nenhum se for ao lixo.
....


O motel era aquele.
Gostava daquele porque já conhecia.
Confortável... nao parecia motel.
Pensou o quanto seria legal ir por ali, sozinha.
Fechar a garagem, entrar no quarto, deixar meia luz, colocar uns cds que levaria, no som, tirar algo da geladeira, deitar-se na cama e olhar-se.
Pensar sobre si, encarando-se no espelho oval do motel.
Já fizera isso, algumas vezes, ali mesmo.
Por uns minutos, sozinha.
Enquanto ele tomava banho e ela se negava a acompanhar, pedindo um tempo, passava a melhor parte da noite, contemplando-se no espelho.
Roupa nenhuma, alguns lençois sobre o corpo. Cabelo espalhado, algumas marcas no corpo que sairia em uns dez minutos, nenhum pensamento invasivo... Nada sobre mensagens mal respondidas ou sobre o lixo que poderia ser estragado a qualquer tempo, sem jamais deixar de ser lixo. Era o que via no espelho do teto.

Cinco minutos de paz fazia todo aquele sexo médio valer a pena.

E, quando ele saísse do banheiro e ela sorrise, espreguiçando-se, ele sorriria de volta e pensaria que era o responsável por tudo aquilo.
E ela apenas ia enfeitar e deixar subentendido o lance do lixo, depois.
Mas decidiu que nunca ia falar que não gravava suas mensagens.

Sabia o quanto era importante correr atrás do sonho, carregando um saco de ilusão nas costas.

domingo, 26 de agosto de 2007

Começa vidro, termina ácido.

O sorriso dele era do tipo que não se sorri mais. Saiu de moda, ficou em tempos em que os melhores atores faziam papéis de gângsters durões e italianados, nos filmes premiados com Oscar.
Um sorriso torto, boca curva, dentes meio a mostra. Um aperto nos olhos, um aproximar das têmporas, um levantar do lábio pro lado direito e aquela sobrancelha, levemente inclinada como arco.
Era um sorriso de roubar os fôlegos e fazer engolir as palavras que precisavam ser ditas. Sorriso que cala. Que dá por terminada a conversa. Que encerra a seriedade do assunto. E convida pro prazer.
Sorriso que engana.

Depois do sorriso, você repara na cicatriz da sobrancelha. Localizada de um modo extremamente atraente. Talvez uma estratégia: os olhos são cansados se você bem reparar. E nota-se um quê de tristeza quando se mergulha neles. A cicatriz é um detalhe que faz desviar a atenção dos olhos. Se isso pode ser classificado como algo bom ou ruim, ainda não sei. Legende como "perigoso". Melhor não olhá-los por muito tempo.

E, sim! Também não se iluda com o cabelo, aparentemente, assanhado pelo vento. Alguma espécie de pacto foi feito para que cada mecha caísse em uma desarmonia que culminasse em algo belo. O belo harmonioso tendeu a perder a graça, com o tempo. Hoje, qualquer rebelia com a harmonia sem destruir a beleza, é melhor valorizada.
É, ele foi perfeitamente moldado pra ser desses tipos que não demonstram preocupação com aquilo que o outro enxerga nele.
Talvez, esse seja seu melhor truque.
Truque, nunca esqueça.

E, prepare-se.
Agora ele vai falar.
E não, a aparência calma e benigna na voz dele é uma farsa das boas. Não se deixe enganar, menina: não permita que ele te faça pensar em campos verdes e mãos dadas, com essa voz. E nem em meia luz, num lugar meio mágico, onde toca a sua música favorita. Uvas, bebidas e sexo, você vai pensar. Mas não pense em sexo! Nem por um minuto. Não imagine a voz dele, sussurando coisas que você gostaria de ouvir, enquanto dançam-aquela-dança com urgência.
Se deixar o pensamento voar por esses campos, a conta será pedida e o primeiro quarto do motel mais próximo, ocupado.
E aí começa o pesadelo, não se engane. É pesadelo disfarçado de sonho.
Nessa hora, caso o descontrole queime muito, evite a todo custo olhar pra sua boca.
Conselho de mestre, eu diria.

Peça um copo d'água agora.
Tente se concentrar no que ele fala e não em sua voz. Homens tendem a dizer coisas desinteressantes quando tudo o que vale é a conquista.
Você é só mais uma, garota.
Escute como ele diz que você é bonita e atraente. Ouviu, agora? Previsível, não?
Sim, mais um cara previsível, disfarçado de homem da sua vida. Só mais um.
Beba todo o copo d'água, chame o garçom e peça uma vodka. Agora, pode pedir. Sem medo. Os controles estão na medida certa, não estão? O vestido aperta menos?
Certo, agora peça licença pra passar batom no banheiro.

"Nao demora", ele te diz.

Feche a porta, logo. Pare de suspirar e olhe pra mim. Aqui, no espelho mais próximo ou mais distante, tanto faz. Pode ver?
Não se apaixone por esse cara. Não vale a pena.
Ele não é nenhum pirata destemido, acho até que aquela maldita cicatriz na sobrancelha foi moldada com gilete. Tudo isso é um jogo que ele já cansou de jogar, por aí. Ele te diz pra não demorar porque sabe que é exatamente o que você quer ouvir. E ainda vai dizer muitas coisas que te deixará encantada e perdida por ele. Ele presume o que você precisa e se intitula conhecedor do jogo. E ele até já sabe... a parte dele.
Conhece o que falar,como curvar os labios e inclinar a sobracelha. Mas você é a peça que pode transformar tudo. Imprevisível, misteriosa.
Ainda.
Pode até destruí-lo em seu próprio jogo! Desde que não comece a fazer os movimentos que ele sabe como rebater!
Esse jogo é duro, garota!
E não se trata apenas de sexo. Hoje em dia, precisar seduzir pra ter sexo, é tão fora de moda quando o sorriso brega dele.

Trata-se de conquistar, sabe? Ele inventou isso pra dar mais emoção à vida vazia que ele tem.
Já reparou nas rugas ao redor dos olhos? Urgências de um tempo mal vivido, creio... Chega um momento, em que um surto de vaidade, te faz pensar que você pode conseguir tudo que quiser.
E adeus adrenalina esquentando o teu corpo. Adeus dores de estômagos de nervosismo. Adeus ansiedade e emoção.
Tudo que ele precida é de um "não", garota.
Mas não se iluda pensando que isso vai fazê-lo te valorizar mais. Porque isso não te diz respeito. Tem a ver com o valor que ele vai dá ao momento que 'tá vivendo. O momento dele. E nunca vai te dizer respeito, mesmo quando você provocar o maior sorriso da vida dele. E nem quando satisfazê-lo na cama, como nunca aconteceu antes. Ele vai sorrir e gozar e ficar feliz. Por ele.

Entende o quanto é desnecessário você participar do jogo?
"your pain is my gain", no fundo, é a frase que predomina e não te favorece.
O final é sempre mais ácido, mesmo que queiram disfarçar com um vago "felizes para sempre".
Começa vidro, termina ácido.
E não me odeie porque meu papel é te dar a chance de resolver tudo isso de maneira muito mais simples:
Passa o batom e volta lá. Seja uma menina esperta e diga que já conhece no mercado o que ele precisa em potes de drogas.
Sóluveis e até baratas.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Fim

- Você tem certeza disso?
- Tenho...pra nao desgastar a amizade, ou acabar com o sentimento bom que a gente tem um pelo outro...
- Sei, sei.. já levei foras antes.
-An?
-Nao precisa discursar. Acabou, nao é? No fundo nao é isso?
- É, mas nao significa que eu nao goste de vc, nem nada...
- Clara.
- Sim.
- Não precisa disso. Eu já entendi.


Foi embora. Odiava aquela espécie de discussão. Resolveu ir sem olhar pra trás. Que fosse o que tivesse que ser, a partir de agora. Nao ia negar o sentimento. E nem ocultar a mágoa. Simplemente iria em frente, a despeito de tudo. E a dor... a dor serviria pra lembrá-lo que estava vivo.

Na primeira semana, resolveu ficar em casa. Tinha que vivenciar aquilo.
Só.
Trancou-se no quarto, estudou um pouco, leu alguns jornais atrasados e releu suas hq's favoritas.
Edições de colecionadores funcionavam como bálsamo na fossa.
Alugou alguns dvds, evitou os romances. Nem toda a aventura na tv conseguira despertar sua atençao. E o pensamento viajava pra momentos felizes, em que sorriram juntos.. Eles. Eles que agora seriam ele e ela. Separados assim.
Procurou a edição especial de Fantasma.

Na primeira semana, foi pro shopping com as amigas. Nao podia viver aquilo sozinha. O modo como ele saíra de sua casa a angustiava. Será que ele tava bem? A vontade de ligar era grande e o coração dava pulos quando algum homem parecido passava por perto. A melhor amiga nao ajudava. Ficava falando o quanto eles eram um casal perfeito e que nao entendia sua decisão...

- Mas eu te apoio! Nao entendo, mas apoio. Agora, entao, é bola pra frente. Reintegrar a comunidade solteira, nao é?
- Ai, Amanda. To desacostumada... Cinco anos... acho estranho andar livre. Sem alguem do lado, pra dar a mão, sabe?
-A h! Mas essa decisão foi sua, né? Entao, bola pra frente! Compras?
- 'Tô lisa, Amanda.
- Cartão de crédito, amor! Bora! Compras!
- Tá...mas só um pouquinho...

Na segunda semana voltou a rotina: faculdade, estágio e casa. O que mais incomodou foram os amigos que não estavam sabendo de nada. Durante toda a semana perguntaram-no sobre ela.
Dizer que tinha acabado ainda incomodava. Alguns o tratavam com pena, o que era pior. Mas aos poucos ficou assim: as amigas davam tapinha nas costas, os amigos chamavam pra beber, as colegas ofereciam companhia "desinteressada", os colegas falavam da boate do momento...

- Agora é farra, Lu! Quero ver, viu? Sexta!
- Vou ver, Fabão... Nao curto muito boates...
- Nao curtia! Agora que tá solteiro 'cê vai curtir!
- Ahaha... pensando assim...
- Sexta, viu? Quero desculpas nao! Já te dei meu celular?
- Já sim...
- Pronto! A gente combina! Vai ser legal sair com o mais novo sr. solteiro. Tenho umas amigas, cara...
- Ahahaha! Vai lá, Fabão.

Na segunda semana, chorou bastante. Ia pra faculdade e as tardes livres, em casa, eram sufocantes. Ligou bastante pra Amanda. Pensou bastante em ligar pra Lucas.
Nao ligou.
Se dedicou a monografia, leu alguns atores que falavam sobre o tema e outros que a vontade pedia.
Na sexta, Amanda chegara de 15h. Animada, com uma mochila cheia de roupas pra escolher a que usaria, pela noite. Iam sair.

- Você acha que eu engordei tanto assim?
- Clara, nao vou mentir. Você não 'tá gorda. Mas nao 'tá com o corpo de antes. Namorar engorda.
- Nao, o que engorda é anticoncepcional e domingos de pizza e vídeo em casa...
- É, domingos, no começo. Quando o relacionamento tá morrendo passam a ser domingos e sábados e sextas de pizza também...
- Tem razão...O meu tava assim...
- Eu sei! Vcs nem saíam de casa! Sabe há quanto tempo a gente nao se via? Uns 5 meses, por aí! Desde o meu aniversário que você só foi, porque eu te obriguei a ir e ainda assim saiu mais cedo poque Lucas tava de saco cheio...
- Ah, Amanda. Nao fala dele...
- Ô, amiga. Desculpa. Vamos ver qual é a roupa de hoje à noite? Tem que 'tá "arrasante"!
- Ahahaha! Vai lá, Amanda.

Sexta feira, noite:

Os dois colocaram sua melhor roupa, olharam-se no espelho gostando do que viam e disseram a si mesmo pra ir em frente. Um momento, porém ele se perguntou porque aquilo tudo estava acontecendo e ela se perguntou porque fizera aquilo tudo acontecer. Ele pegou o celular pra ligar pra ela e ela mais uma vez ignorou a vontade de falar com ele. Ninguem ligou.
Ambos saíram com os amigos solteiros pra boate da moda, sabendo que aquilo nao os animaria e nao preencheria o vazio que estavam sentindo.
Ela escutava a música e pedia um martini. Ele conhecia as muitas amigas de Fabão, "simpáticas e atraentes".
Ela ficara irritada com a insistência de um desconhecido em agarrá-la.
Ele ficara entediado com a futilidade da conversa das amigas de Fabão e pediu licença.

Ela procurou Amanda, sem sucesso, e foi pro balcão da boate pedir outro martini, interiorizando inúmeros palavrões pra dizer à amiga, enquanto nao a achava.
Ele foi pegar outra cerveja e pensar numa desculpa pra ir pra casa.
Boate, som, luzes, pessoas, balcão...

Ele a viu.
Ela o viu.

Os corações bateram mais forte e eles gelaram.
Quer dizer, ele e ela.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Brasileiro

- Entao... posso te ver hoje?
- Não.
- Poxa, já 'to com saudade...deixa, vai?
- Não.
- Vou trocar de roupa e vou.
- Que saco!
- Chego de 22h?
- Nada que eu disser vai te fazer parar de insistir?
- Nao, já 'to até me aprotando.
- Tá, vem. E traz uma cerveja.

....

- Oi, chegasse rápido.
- Toma, eu trouxe.
- Ah! Trouxesse mesmo?
- Lógico, vc nao pediu?
- Valeu...
- Tá meio quente...
- Incompetente..
- Ahahaha! Gostei do vestido...
- Vamos sentar ali.
- Vamos.

....

- Me dá um gole.
- Isso é uma ordem ou um pedido?
- Chataaaa!
- Trouxesse a cerveja pra mim, nao foi?
- Foi, mas pode me dá um gole?
- Nao. Ei! Nao vale tirar da minha mão!
- Tem certas coisas que nao adianta pedir...
- Certo. Acaba minha cerveja.
- Chaaataaa.

....

- Vem mais pra cá.
- 'To bem aqui.
- Tá nao, tá com frio.
- Eita, agora tu sente por mim?
- Nao... mais eu to te vendo toda arrepiada...
- ....
- Teu corpo implora por um abraço meu.
- Tá doido?
- Vem...

....

- Melhor agora?
- Tá menos frio.
- Dá pra dizer, uma vez na vida, que tá legal?
- Quando tiver, eu digo...
- Certo, vou fazer ficar legal!
- Nao..eii...

.....

- Para!
- Porque? Tá tao gostoso...
- Nao! Para!
- Adorei esse vestido...
- André, o porteiro! Ele pode ver!
- Tá tudo escuro...
- Nao!
- Vem...

....

- Vc é maluco!
- É, realmente eu to...
- Se acalma!
- Certo, agora fica longe.
- An?
- Nao vou me acalmar com você por perto. Esse vestido...
- Nao! Ei! O porteiro!
- Vamos sair daqui?
- Certo. Vc vai pra sua casa e eu vou pra minha.
- Não....
- Ai, ai...
- Vc tá muito gostosa, com todo o respeito.
- Vc tá maluco, como sempre!
- Chata!
- Doido!
- Vem...
- Eu...certo.
....

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Medicina e silicone

Peitos. Precisava de peitos.
A natureza nao tinha ajudado, o uniforme nao favorecia, o dinheiro que ganhava nao lhe dava direito a ter peitos!
Inferno...
Ele sempre passava direto.
"Oi, Cássia", dizia.
Entrava no consultório e durante todo o dia só falavam-se por telefone:
"Pode mandar entrar, cássia", "Cássia, nao marque mais de duas consultas pro dia tal", "Por favor, Cássia, poderia acompanhar o sr. Maurício até a porta?"
Algumas, raras vezes, vislumbrava-o, ou parte dele, despedindo-se de um cliente antigo, a quem fazia questão de acompanhar até a porta do consultório. Ou ainda, tinha o final do mes, sua maior alegria. Separava as correspondências, caprichosamente, pegava a caderneta, penteava os cabelos, retocava o batom e, no final do expediente, estufava o pouco peito que tinha, pra levar a correspondência pra ele.
-Alô, dr. Vicente?
- Sim, Cássia?
- A correspondência do mês tá separada. Quer que eu a leve até o senhor?
- Ah...an? Ah! Sim! Pode vim!
- Um minuto, doutor.
O ritual: batom, cabelo, depressão por nao ter peito, batida na porta.
O homem era lindo. Alguns, poucos, cabelos brancos nascendo, deixavam-no mais sexy que qualquer garoto de sua idade, que conhecia. Óculos. Sim, óculos nao é um acessório inadequado, algumas vezes. Nao quando se tem olhos cinza, enfeitados com sobrancelhas grossas, um nariz reto e perfeito, uma boca carnuda e deliciosa, barba fechada e um corpo que nao-tem-branco-que-engorde.
- Doutor, posso entrar?
- Sim, Cássia. Acabaram todos os clientes do dia, nao é?
- Sim, dr. As correspondências....
- Ah! Pode botar aqui em cima da mesa - falou, enquanto tirava a bata, pra ir embora.
- É...an?
- Cássia?
- Ah, sim! Na mesa! Nao quer que eu anote algo?
- Nao, nao precisa. - disse sorrindo. Aquele sorriso que deixava seus olhos menores e faziam aparecer linhas de expressão em seu rosto. Estupidamente sexy. Como rugas podem ser sexy? A sala ficava quente e ela pedia licença pra sair.
- Cássia...
- Sim? - "Diga que me ama, diga que me ama", pensava.
- Vc se incomoda de arrumar essas coisas pra mim? Eu tenho um compromisso cedo e já to atrasado. Sei que nao é seu serviço, mas...
- Nao! Quer dizer! Tudo bem, eu arrumo. - "Quem será a mocréia que ele vai encontrar?"
- 'Brigada, querida. Até segunda!
Saía.
Sexta feira... depressão.
Odiava nao ter peitos, odiava mais ainda nao ter peitos num fim de semana longo, sem vê-lo.
Fazia as contas em pensamento. Se continuasse a trabalhar mais uns 2 anos e ainda economizasse 70% do seu salário do mês, poderia pensar em colocar silicone.
Mas...e se ele casasse daqui pra lá? Sim, pq ele tava saindo com alguma mulherzinha! "Sair mais cedo","compromisso", só podia ser!
Depressão tríplice esse final de semana: agora, também imaginava-o casando com uma peituda qualquer.
Bebeu e chorou.
....
Era uma piscina diferente. A água era meio sólida, escorregadia e confortável. E parecia que...
AHHHH!
.....
- Andréia, pelo amor de deus! Vc sabe o nome de algum psicólogo bom e barato?
- An? Cássia, que voz é essa?! O que foi, menina?! Ligando essa hora!
- Dé, nao to legal. Tive um pesadelo esquisito. Acho que to obcecada!
- Calma, doida! Me explica! O que tu sonhou?
- Nao, nao posso. Nao quero que isso se espalhe.
- Meu Deus, parece sério! Vou perguntar a minha mãe se ela conhece e te ligo, certo?
- Vc nem imagina o quanto é sério, Dé... Me liga mesmo!
Jamais contaria a ninguém, que nao fosse um psiquitra dos bons, que sonhara mergulhada em uma piscina de silicone.
....
Shopping:
- Vc me assustou...
- Desculpa, Dé...eu nao queria... fiquei espantada com aquele sonho ridículo. Ei! Que cara é essa? Se começar a rir de novo eu vou pra casa!
- Desculpa... mas nao deixa de ser cômico!
- Certo, tchau.
- Ei, sua boba! Fica! Eu acho q sei como ajudar!
- Sabe?
.....
Consultório, segunda-feira, 8h:
- Bom dia, Cáss... An?
- Bom dia, doutor! Algum problema?
- Cássia, o que? Nao! Problema nenhum...é que você tá...diferente!
- Mudei a cor do cabelo, doutor. Que bom que o senhor notou. - sorriu.
- Ah! Claro! Foi isso!
- Sim, foi. - aquilo tava ficando divertido.
- Bem, vou pra sala. Quando o primeiro cliente chegar, pode mandá-lo entrar.
- Certo, doutor.
Foi um dia diferente. Ele a mandou chamar em sua sala 5 vezes, sem motivos relevantes e, no final do expediente, ainda pediu que anotasse as correspondências da sexta, alegando que tinha sido muito desorganizado nas anotações que fizera.
Cássia nunca esteve tão feliz e saíram juntos do consultório.
Ele ofereceu carona.
Conversaram bastante e ele disse que gostava muito do seu trabalho e que...a cor do seu cabelo... tinha ficado ótima.
Nao demoraria muito pra convidá-la a sair, pensou.
É... peitos...que milagres que eles nao faziam? Mesmo quando nao passavam de sutiãs acolchoados...

sábado, 28 de julho de 2007

A ressaca não estava fraca e a memória nada boa.

sábado, 21 de julho de 2007

Drama XX - (por ele)

Ele jogou o cigarro na calçada.
Olhou a praia, sentiu o vento, observou o quão deserto aquilo poderia ser e era.
Procurou.
Procurou como quem nao procura nada e com a urgência de querer achar como nunca.
Procurou-a.

E como a acharia?
Dez anos haviam se passado.
Deveria contar, se sua matemática falida nao o enganasse e se a ficha que possuia dela fosse verdadeira, trinta e dois anos. Como reconhecer um rosto de vinte e dois em uma mulher de trinta e poucos? Como achar sua menina, se procurava uma mulher?

Desabotou três botões de sua camisa branca, dobrou as mangas, descalçou os sapatos e começou a andar na areia.
Seu rosto continuava sereno e bonito mas, seu sorriso que antes desfilava por onde ia, surgia, agora, apenas quando o carregava de sarcasmo e ironia.
Poucos motivos pra sorrir em um continente como a Europa. Muito trabalho, pouca alegria e nenhum romance parisiense ou uma paixão espanhola arrebatadora.
Belas mulheres que comandava, mas nao se envolvia.
Belas festas que dava mas nao participava.
Envelhecera.

Uma cena distante passeiou pelos seus olhos:

- Muito trabalho ou ausência de amor, seu velho? - perguntou Helena, escalando sua cama em direção a ele, que estava perdido em pensamentos e não havia notado quando entrara no quarto.

- Sua grega hostil - sorriu com sarcasmo, enquanto segurava seu cabelo - já chega me xingando.
- Meu amor - disse ela, enquanto abria sua camisa - nao gosto de vê-lo vestido na cama.
- Tentando me seduzir, Helena? - falou, enquanto descia a alça do vestido preto elegante, que ela usava.
- Gostou do meu vestido? Comprei pra vc...
- ...tirar?
- Tudo. Desde que você nao fuja de mim, como há pouco tempo.
- An? - nao a acompanhava mais. Estava ocupado, contornando seu decote com os dedos.
- Você. Foge o tempo todo em pensamento. Me sinto só. - fez beicinho.
- Eu 'to aqui, agora, sua grega reclamona. - Calou sua amante.


Tirou a camisa, enquanto olhava o mar.
"Lugar bonito" - pensou, observando um dos poucos lugares do seu estado que parecia desabitado.
"Por isso que é bonito", concluiu com sua filosofia de vida chinfrim.
Pensar em Helena parecia macular aquele lugar.

Lembrou-se do que o havia feito chegar ali.
Lembrou-se dela.
Paz.

Há oito anos Tony fixara residência na Itália. Há dez anos não pisava no Brasil.
Há seis dias havia recebido o telefonema de Tomé, informando que a tinha encontrado.
Há seis dias sofria com o desejo de reecontrá-la.
Seis dias?
Porque nao reconhecer que aquele desejo obsessivo já contava dez anos?

- Achei - dissera Tomé. - Deu trabalho, Tony. Desde que abandonou a faculdade, poucos sabiam sobre ela.
- Vc...conseguiu? - perguntou, temendo a resposta. Achar aquela mulher poderia significar tudo e nada.
- Sim. Ela casou, Tony. Logo depois que largou o trabalho com você e a faculdade. Parece que ela e o marido possuem uma vida bastante pacata. Nao achei registros de viagens nesse tempo e nada que denunciasse que existem.
- Casada?
- Sim. Mas nao têm filhos. Quer saber onde ela 'tá?


A resposta foi demorada. Tomé esperou alguns minutos antes que decidisse consigo mesmo, embora já soubesse que nao conseguiria mais fugir daquilo.
A resposta tava ali: um homem, sem sapatos, longe do local onde ele morava e trabalhava, pés na areia, em busca da casa 3057 de uma praia quase deserta.
A resposta tava em sua loucura.
Em sua obsessão.
Algo que o fez parar de sorrir, de se interessar por outras mulheres, de se empolgar com suas conquistas.
A resposta residia na casa 3057. E uma resposta absurda. Como poderia existir uma casa de número 3057 em uma praia que contava com, nao mais, que 100 casas espalhadas, escondidas, como se nao existissem?

A casa 3057 ficava mais próxima a cada passo que dava. Vento, areia, mar. Tudo fora do lugar, tudo distante do papel que escolhera viver. Tudo incomum.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Drama I

Tirara as unhas de porcelana, analisando sua imagem.
Loira, pele bronzeada, corpo escultural e um sorriso perfeito que raramente aparecia.

Prendeu o cabelo com uma fivela, deixando alguns fios soltos caídos nas costas. Entrou no banheiro.

O dia tinha sido longo. Duas aulas estressantes pela manhã, um comparecimento ao grupo de estudos de psicanálise, que ela mesmo criara, e depois, trabalho.

O nome do cliente era Jorge, 37 anos. De início era o que sabia. A agência ligava e informava-lhe onde se encontrariam e o perfil do cliente que teria pela frente.
Perfil?
Informavam-lhe um nome, que poderia nao ser verdadeiro e uma idade que geralmente era falsa. Diziam-na alguns fetiches do cliente e local de encontro escolhido. Alguns, preferiam tomar um drinque antes de irem pro motel. Os solteiros, divorciados, mais tímidos, nervosos ou marinheiros de primeira viagem. Alguns, cativos, já tinham um local certo e raramente o inovavam. Geralmente, encontravam-se lá. Algumas vezes chegava antes do cliente e ficava estudando na cama. Nao foram raras as vezes em que estudou no motel, nos intervalos dos encontros. Principalmente em época de provas.

Ligou a ducha quente, deixou cair a toalha e entrou no chuveiro, relembrando seu dia:

- Oi, Antônio.
- Melina? Desligou o celular? - questionou seu agenciador.
- Sim, Tony. 'Tava na aula, vc sabe as regras: nada de...
- "...ligações pela manhã e nem em dias de domingo", sei sim. Mas nao queria falar de trabalho. Tem tempo hoje pro almoço?
- Nao. Quer dizer, na verdade, até tenho. Mas 'to indo almoçar agora. Já são 13:20, larguei tarde da faculdade hoje. To indo direto pro restaurante e vou comer correndo. Marquei grupo de estudo às 14h.
- 40 minutos pra mim, entao?
- Sim, nada mais.
- Tá ótimo, se é só o que tenho, vou procurar me virar com ele. Pra onde vc vai?
- Pra nova pizzaria, sabe onde é?
- Perto do Centro, sei sim. Daqui há 5 minutos to chegando.
- Ahahaha! 5 minutos? Se vc conseguir, te vejo por lá.
- Verás, garota.

Mal estaciora o seu carro, alguém bateu no vidro:

- Atrasada.

Era Antônio. Aliás, era o sorriso de Antônio que parecia até chegar antes dele. Lindo, enorme.
De calça preta, blusa cor de vinho, gravata preta, sem paletó, parecia saído da passarela de qualquer melhor estilista da europa.
Como alguém como ele chegara a trabalhar no que trabalhava?

- Que mágica vc fez? Já sabia que eu bato ponto por aqui e ficou me esperando?
- Linda, eu sempre sei onde vc bate ponto, esqueceu? - falou, sorrindo
- Seus 40 minutos estão se esgotando, senhor. É melhor que me diga logo o que quer de mim. - estreitou os olhos, fingindo seduzi-lo.
- Nao faz isso que eu desmarco teu cliente das 17 horas e tiro seu dia de lucro. Vai ter que ficar comigo, de graça.
- Um dia, quem sabe. Vamos entrando?
- O que vc quiser - fez sinal, mandando-a seguir na frente.

Ele a analisava enquanto ela andava. A roupa era sóbria. Calça preta, justa, blusa de botao, sem decotes, cabelo preso displicentemente. Que homem a imaginaria como uma das garotas mais concorridas de sua agência? Cheia de livros no carro, aulas e grupo de estudos, aluna aplicada, maiores notas da sala, inteligente e linda. Nem os óculos de grau, de armação simples, deixavam-na menos exuberante. Como alguém como ela chegara a trabalhar no que trabalhava?

- O que vamos pedir? - perguntou ele, quando estavam acomodados.
- Pra mim, o "de sempre", o garçom já conhece. O que vc vai querer?
- O que você quiser me dá.
- Nao sou eu que dou aqui, é o garçom. Vai repetir esse pedido pra ele?- falou, rindo. Adorava o jeito que ele brincava, provocando-a.
- Se ele tiver o seu corpinho, pode ter certeza.
- Ahahahaha! Te odeio.
- An??? Sou seu chefe, garota. Tá no juízo perfeito? Dizendo isso pro seu chefe?
- Vc só manda em mim até onde eu permitir.
- Isso nao soa atraente. Na tua ficha, se nao me engano, tem algo como "sem limites".
- Nao quero falar sobre isso, ok? - disse, séria.
- Mas é sobre isso que quero falar, Melina.
- Trabalho? Eu 'to na minha hora de almoço, Antonio. Se eu soubesse que era sobre isso que vc iria falar, nao o deixaria vir. Vc me prometeu que nao falaria sobre trabalho.
- Espera eu fumar um cigarro?
- Já se passaram 12 minutos.

Tony acendeu o cigarro. Olhou pro lado e certificou-se que estava no lugar reservado pra fumantes. Nao tinha muita noçao do tempo, estado e local, quando se encontrava com aquela mulher. Dois anos e alguns meses na empresa, já. Ele que a admitira. Suas fotos, chegaram até ele, através de seus informante da faculdade em que ela estudava. Marcou a entrevista e nao compreendeu. Era contrastante a personalidade dela com as suas caras e bocas, enquanto desfilava pra ele de lingerie. Linda, mas completamente fora daquele papel. Há dois anos pensava sobre o porquê daquela garota. Chegara a hora de saber?

Tragou fundo. Deixou que a fumaça invadisse seus pulmões e imaginou-a preenchendo todo o seu corpo. Soltou-a, lentamente, enquanto a olhava.
Daqui há pouco, seus minutos acabariam.

- Vou expandir os negócios. Abrir outra agência, aliás, outras agências em três países da Europa. Fecharei a do Brasil, nao quero mais ficar por aqui.
- Ninguém me disse nada - falou, espantada.
- Lógico que nao. Eu que tinha que dizer. Entao, 'to levando algumas garotas pra lá. As melhores. Quero saber se você quer ir.

Sem chão. Pediu pra responder depois. Achou que aquele homem, atraente, pediria pra cancelar o cliente das 17h e viver um romance com ele. Mas o que ele fez foi colocá-la diante de seu pior pesadelo: sem emprego, como pagaria a faculdade? Na europa, como faria facudade?

Depois do almoço, estudou com pouco afinco e entregou-se passivamente ao cliente das 17h. Deixou-se beijar, fez sexo carente e como que, saudosa, daquela vida que levava. Nao era a ideal, nem era boa, alguns consideravam indigna, mas era a que tinha. E a estava perdendo... Transou com saudade da vida que nao amava, mas que a fazia sobreviver.

Aumentou a temperatura da água, soltou os cabelos e entregou-se ao chuveiro. Sempre tinha uma palavra de consolo pros outros, era o que estudava e era boa em seus estudos. Mas nao tinha quem a consolasse, pedisse pra mudar sua cara triste ou transformasse suas lágrimas em sorrisos...
E pensando em sorrisos, pensou em Tony. Sua paixão daquela tarde e pesadelo daquela noite.
Amanhã, de 13h ficaram de encontrar-se no mesmo local e ela lhe daria a resposta.
Nao vê-lo novamente... surpreendentemente aquilo a incomodava...

Ensaboou bem o corpo, saiu do chuveiro, analisou as marcas da paixao deixadas pelo último cliente, vestiu uma camisão pouco atraente e foi dormir.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Esperando o ônibus

Uma hora e quinze minutos. Marcara no relógio.
Há uma hora, quinze minutos e alguns segundos que pareciam uma eternidade, esperava o maldito ônibus. Já nao tinha mais palavras de maldição pro motorista incompetente. E nem dorflex na bolsa, pra alivar a dor de cabeça latejante que todo aquele tempo de sol cortante na cabeça, havia ocasionado. Desmaiaria, era questão de tempo.
Um vontade louca de sair correndo pra casa. Se nao fosse tao longe, já o teria feito. Quanto tempo de sol na cabeça, é necessário pra que alguém fique louco?
Uma hora e dezesseis minutos sairia correndo.

Prendeu apertado o cabelo castanho, num rabo de cavalo e deixou os olhos verdes se perderem no horizonte.
Vislumbrou-o. Uma cena surreal: lentamente, vindo, revestido de uma fumaça que tornava sua imagem pouco nítida. Uma miragem.

Sorriu.

O ônibus nao estava lotado e surpreendenteente, nao sentiu vntade de xingar o motorita e amarrar a cara pro cobrador. Nao estava lotado, mas totalmente preenchido. Com exceção de um lugar, no fundo. Entre uma senhora obesa, de cara amarrada e um projeto de adolescente com fone de ouvido.

Sentou.

Ultima fileira do ônibus. O que a separava da janela, onde estava sentado um garoto que parecia ser da sua idade, perdido em pensamentos e imune a qualquer presença, era a senhora obesa.
E q senhora! Remexia o tempo todo no banco, resmungava algo ininteligível, suava cada vez mais.
Resolveu perder-se em pensamentos pra esquecer a presente cena que vivenciava.

Lembrou da última conversa com Marcelo:

- Vc já acordou?
- Agora sim, bobo. Vc me acordou.
- Mari, eu tava pensando...
- E isso são horas de pensar! - começou a dizer, beijando-o no peito e subindo pro pecoço.
- Nao, nao Mari - fez ele, afastando-a.
- An?
- Eu tava pensando sobre a gente. Dá pra coversar comigo? Vc parece que só pensa em sexo. Toda vez que eu digo que quero conversar sério sobre a gente, vc me seduz e evita o assunto!
- Eu te seduzo? Vc tá louco? Eu fui a única que transei noite passada? E sempre? - cobriu o corpo. Nao havia mais espaço pra intimidade diante daquela conversa. Apertou forte o lençol contra o corpo. Onde estavam suas roupas?
- Vc entendeu o que eu quis dizer...mas vai fingir que nao entendeu, como sempre! É isso que me cansa!
- Nao seja por isso - levantou.
- O que vc vai fazer?
- Vou embora, quero deixá-lo descansar.
- Nao foi isso que eu quis dizer. 'Pera aí...
- Já deu hoje, Celo. Se eu continuar aqui vai ser pior.
- Vamos conversar, Mari. Nao quero que vc saia assim, aqui de casa. Deixa que eu te levo.
- Não to afim de conversar, entendeu? - gritou, enquanto vestia a blusa. - Depois a gente se fala.

E ainda esperara uma hora e quinze, pelo ônibus. Não era de se estranhar que sua cabeça estivesse um inferno, há pouco tempo atrás. Chorara, enquanto andava pra parada.
Mas, estranhamente, alguma coisa, entre o tempo que esperou pelo ônibus e o tempo em que esse surgiu,
mudou dentro dela.

Aquela sensação de leveza e vontade de compartilhar algo com alguém que lhe parecia bom.

Apertou o rabo de cavalo mais forte, alisou os cabelos com a mão, pediu licença pra mulher obesa e catucou o menino que olhava sonhadoramente pela janela.

-Com licença, sabe me dizer porque esse ônibus demorou tanto? Quebrou ou coisa assim?

O menino começou a explicar, parecia tímido e surpreso, mas seu olhar pacífico era tudo o que precisava naquele momento.

Escutou um "HUNF" e a mulher gorda se remexeu incomodada na cadeira.

Olhou pro menino da janela. Ele já começara a sorrir. Ela sorriu de volta.

A mulher obesa trocou de lugar com ela.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

O alemão

Há dois meses saíra da casa em que vivia com o ex namorado, pedira as contas no emprego que não assinava sua carteira e decidira voltar pra casa da mãe.
Zerar e recomeçar. Um novo tempo melhor, que fosse.

Quão grande nao foi sua surpresa quando tocou a compainha e , em vez de sua irmã caçula recebê-la, como era de costume, um loiro nórdico de quase 2 metros de altura, abriu a porta.
Pronunciou algo ininteligivél, enquanto ela o olhava paralisada, sem saber que tipo de atitude tomar.

Foi quando ouviu uma voz conhecida:

-Karl? Quem é?

Karl que, pelo visto, entendia português mas na sabia falá-lo bem, pronunciou algo que pareceu fazer sentido pra sua mãe.

-Luísa, que faz aqui?
-Mãe, quem é esse???
-Entra, entra.

E assim ficou conhecendo a história de Karl. O motivo daquele homem de quase 2 metros (ou mais), estar morando em sua casa e habitando o quarto cor de rosa de sua irmã caçula, foi um intercâmbio pra Alemanha que sua irmã inventara. Mais uma das maluquices de uma mente verde, de 15 anos.

- E vc vai ter que ficar com ele? Por quanto tempo, mãe? Quero voltar a morar aqui em casa, eu e o Tiago demos um tempo. Também pedi um tempo do trabalho... Ainda tem lugar pra mim, ou algum chinês está morando no meu quarto?

Ouviu um som escandaloso. Olhou pro lado espantada e viu: o alemão estava as gargalhadas. A medida que sorria, ficava mais vermelho. Nunca imaginara uma cena daquela.

- Karl é divertido, filha. Sabe, ele entende português, mas tem dificuldade de pronunciar bem as palavras. As vezes eu entendo, a maioria das vezes, finjo que entendi. Mas, tem sido uma boa companhia.

Karl viera pro Brasil e não tinha 15 anos. Tinha pelo menos un 30. Viera pesquisar algo relacionado a prática da medicina em países subdesenvolvidos. Nao sabia ao certo o que fazia na Alemanha. Médico ou pesquisador, era bem esquisito ter um sujeito daqueles em sua casa. Seria uma experiência estranha, sabia.

Com o tempo, acostumara-se com a presença quase ausente de Karl. Ele passava todo o dia na rua e voltava, aproximadamente, às 20h. Estava elaborando um Portfolio diferente para apresentar em algumas firmas de publicidade, quando ele sentara do seu lado.
Falou algo como "azul", que pedira pra repetir umas 5 vezes. Até que percebeu que ele estava tentando ajudá-la a harmonizar as cores de seu trabalho.
Usou o azul de Karl.
E o trabalho ficou
ótimo.

Toda noite, assistiam um programa de Tv, que passava em um canal pago. Um programa de auditório, idiota, espanhol, de cunho comedioso. Sua mãe se retirava mais cedo e ficavam os dois, lado a lado, assistindo o programa, calados. No começo, se espantava com as gargalhadas do alemão, chegara até a ficar incomodada. Mas agora, já tinha se acostumado ao som e sorria pra ele de volta.

-Olhos bo-ni-tos.
-Rãn?
-Azuis.
-Minhas olhos? Suas que são lindas.

Sorrira pra Karl. Ele achava suas alguma-coisa lindas. Fazia tempo que nao recebia um elogio de alguém.

Uma noite, trocava de roupa. Eram 18h e nao tivera o cuidado de fechar a porta do quarto. O alemão voltava às 20h, pontualmente, todos os dias. Mas, quando abotoava o sutiã pra colocá-lo, sentiu uma presença e olhou pra porta. Os olhos azuis a encaravam. Mas logo saíram de cena. O alemão resolveu ter vergonha do seu voyerismo e se trancou no quarto.

Desse dia em diante, poucas vezes via o alemão. Ele chegava às 20h e se trancava no quarto. Nao jantava com ela e a mãe e nem descia mais, pra assistir o programa de tv.

Pensou em falar com ele, mas resolveu que as palavras complicariam ainda mas tudo aquilo. Sentia falta do som de seu sorriso, é o que sabia.

Pensaria se faria uma visita ao quarto de sua irmã, naquela noite.