segunda-feira, 11 de maio de 2015

Coleções

Casais que se amam, eu sei: provavelmente sabem as respostas sem palavras.
Ou poucas, uma ou outra que só são ditas quando a distração não lê o coração 
Casais que se amam, também sei: encontram sempre um jeito de dividir um canto, de adivinhar intenções, de dormir profundamente no braço do outro, de achar graça e beleza onde não se sabe que existe, de se mostrar por inteiro sem medo, de tentar fazer as pazes e de aprender a não brigar.
De sorrir com as manias e de pensar de tudo em dobro e preparar sempre pra dois.
Casais que se amam, sei mais do que nunca: fazem juntos coleções que nunca param de crescer. 

P.

Um adeus ao azedume

Sabia que, no fundo, havia esperança de esperar algo bom.
Não era que existisse, de fato, inocência em suas intenções.
Seus olhos que viram mais do que gostariam, exigiam-lhe boa dose de ceticismo.
Era que tinha, dentro dela, algum masoquismo mal resolvido, uma intenção maléfica de tentar outra vez mesmo sabendo o quanto doeu, o quanto doía e o quanto de dor ainda poderia esperar daquilo.
Tentava gostar de ser tratada a pão de ló e cerveja mas nunca achou que merecesse sonho ou qualquer coisa doce.
Recebia, como distração, belos gestos que achava não caberem em sua vida.
Queria o retorno, a volta, o giramundo idiota que insistia em permanecer como vício.
Haveria um dia em que aquilo mataria, consumiria ou libertaria em definitivo.
Hoje, mais de vinte anos depois, pensava na estranheza daqueles dias.
E se deleitava recebendo sorvetes na boca. 

A linha fina

Juízo, Renata, não vá se atirar da escada.
Não deitar depois de se lambuzar, não suje sua cama.
Renata, querida, crescer um pouco é maravilhoso mas vá com calma, amiga
Não engolir o mundo, não desejar de tudo, não correr para um abismo sem medo de cair.
A queda, Renata, esfacelaça.

P.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Bom dia e café

Tem uma casinha e um blues de fundo, uma esperança de verde, músicas nas paredes, cama desfeita, café quente, dia de sol com friozinho, beijinho e um carinho, muito sorrir.

Tem um começo novo em tom de pastel, um colorido tranquilo, uns poucos móveis simples, teus filmes, meus filmes, um casal dividindo estantes, amor e arte, depositados em sofás e mesas com amendoim e vinho, cerveja e queijo (gorgonzola nao).

Tem um bom dia cantado e uma boa noite sossegado. Tem um brilho no olhar, tantos segredos sem baú, espalhados ao redor e leitura de mente. Hoje mais do que ontem e hoje menos do que amanhã.

Tem uma alegria ao ouvir de passos que caminham, firmes e em frente, por essa vida, por toda a vida, por um cantinho quente, com nosso amor em mente. 

P.





 

domingo, 19 de abril de 2015

Trinta minutos de atraso para o amor

Luana deixou o cabelo voar, embora preferisse que ficasse bem preso.
Ajeitou algumas mechas que insistiam em cair no rosto para que pudesse ver melhor quando ele chegasse.
Achou que ela que deveria ter atrasado um pouco, talvez mostrar-se menos ansiosa.
Mas se queria fazer certo dessa vez, ela pensava, não queria mais recorrer a jogo algum.
Meia hora de atraso não é muita coisa mas um pouco mais seria falta de educação.
Começou a digitar uma mensagem displicente e logo apagou.
Maldito fosse ele por trazer pra sua vida aquela ansiedade esquisita que esperou nunca mais sentir.
Respirou fundo e olhou ao redor.
Muitos estudantes chegavam e alguns outros partiam.
Cinco e meia da tarde não era mais uma hora tão querida por qualquer pessoa que revelasse uma atraso. Cinco e trinta e um seria pior.
Os demônios em sua cabeça já começavam a incitá-la a ir embora e deixar tudo aquilo pra trás.
Marcos, era chegar algora ou não chegar mais, era seu ultimato mental.

- Desculpa, Luana. Não é você? - ele chegou sorrindo - Que alívio saber que você não foi embora, eu bem que merecia por não ter contado com o trânsito quando saí de casa. Ando com a cabeça um pouco fora do lugar e talvez você saiba o porquê - sorriu de novo.


Luana sorriu de volta e tentou não trazer pra si o significado do que ele dizia. Talvez se ele tivesse chegado de cinco horas acreditaria mais uma vez em encontros perfeitos e amores possíveis mas de cinco e trinta tivera tempo pra pensar demais e sonhar de menos. 


- Não conhecia essa faculdade então tive tempo de olhar um pouco mais daqui, enquanto você não chegava. 


- É bem exótica. Fora a quantidade de estrangeiro que eh quase maior do que as de pessoas daqui, temos animais espalhados por todos os cantos e mais estudantes alimentando-os do que eles podem aguentar. 


- Muitos patos gordos - sorriu.


- E alguns pavões.


Eles sorriram juntos e Luana pensou que talvez ele estivesse perdoado. Marcos era mais alto do que pensava e tinha um sorriso que combinava com aqueles que tinha imaginado. Pelo interesse com que a olhava, achou que ele também gostou de sua aparência. Os cabelos soltos, bem que sua irmã dizia, lhe caíam bem. Os demônios em sua mente se calaram novamente. Achou graça da doce impaciência com a qual esperamos o amor. E da deliciosa serenidade quando enfim encontramos. 

Sorriram outra vez.

P.

Esqueletos

Quando acordei, demorei um pouco para saber onde estava.
Em teu quarto escuro, não encontrei qualquer identificação pra mim.
Havia, claramente, naquela falta de cor, o espelho cru de todo o erro.
Do nosso enlace tardio que não cabia em nenhum de nós. Não mais.

A verdade é que tentamos trazer um pouco pro hoje o que deixamos pra trás.
Revivemos os esqueletos de um suposto amor frustrado.
A doce dúvida do que poderíamos ser quando no dia a dia queríamos mais do que tínhamos.
O arrebatador romance que sonhamos ter. 
Não.

Querido, quando acordar se lembre que nessa fria manhã do outro dia nos revelamos um fracasso.
Que não morava em nós qualquer sucesso para desenvolver uma vida a dois, aquele amor paciente.
Teríamos, se muito, alguns momentos de paixão.
Nossos olhos escuros brilhariam de noite e se apagariam de dia. 
Teus hábitos cinzas e minha vida de cor.
Antíteses do que queríamos.

Gritos de incompreensão revelavam-se no que via adiante.
Um desrespeito que acabava com um amor já ferido.
Talvez a raiva se infiltraria entre nós e acabaríamos, enfim, com o pouco que tínhamos.
Nosso 3% de sucesso pareceu-me precioso demais pra arriscar.

Levantei silenciosamente e tateei minhas roupas.
Na cama, deixei teu corpo ainda quente e recusei-me a acender a luz.
Deixei nosso amor no escuro, pairando como uma interrogação mais bonita do que qualquer reticências que viríamos a ser.

P.