quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Lusco-fusco

Juana tinha dois tipos de óculos escuros. Os que usava nos dias em que não queria ser reconhecida e os que usava pra chamar atenção.

Aquele era um dia de chamar atenção e o óculos era a única coisa que faltava naquela mulher que Juana via no espelho.

Vestimentas concluídas, se dirige ao estacionamento e aciona o alarme logo no início, como que anunciando sua chegada.

E assim passa o dia, chegando nos lugares como se já esperassem por ela, passando com facilidade pelos caminhos que lhe abriam naturalmente, caminhando com segurança em salto 15, sem desvios, sem tropeços, sem atropelos.

Juana quase foi ao banheiro retocar o batom quando chegou no restaurante, mas resolveu apenas abrir o espelhinho de bolso e ali mesmo pintar nos lábios o carmim.

Reservara uma mesa na varanda pra sentar sozinha, não queria companhia, só atenção a distância, o que interessava não era atrair os outros mas atrair a si e o objetivo maior de tudo já começava a despontar na sua frente…

…o pôr do sol incrível daquele lugar. 

Juana bebericou o champagne e retirou os óculos. 

...

"A beleza não está nem na luz da manhã, nem na sombra da noite, está no crepúsculo, nesse meio tom, nessa ambiguidade" (Lygia Fagundes Telles).


Infatuation

Eu pensei que estava preparada pra tudo, mas não pro meu coração em descompasso. 

Incontrolável, diferente, não soava como boa música, era mais alto e ininteligível que qualquer som que ouvira antes, nem de longe era confortável.

Como regular? Como organizar a batida? Como trazê-la para o campo comum, seguro? Como normalizar e voltar as peças desmontadas lá dentro pro lugar?

Num quebra-cabeça descontruído, quis arrancar o coração pra reencontrar os meus próprios encaixes, mas fui impedida.

A paixão tinha outros planos.

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Throw the dice, cold as ice

No meio das cartas, vermelhas, brancas e negras na mesa, soube que não haveria concordância sobre o final. De toda forma, o jogo estaria perdido ou ganho. Dependia do ângulo em que se olhasse. 

Da minha parte, lembrei que qualquer que fosse o resultado, deveria haver um cumprimento no final. Parabéns e desculpa misturados em uma palavra que comecei a inventar pra te dizer. Ou calar. Certas coisas pairam no momento e são transmitidas independente da forma que se digam elas. Ou nem digam.

Baixei o jogo sem contabilizar minhas chances, minhas cartas. Contabilizei isso sim, a distância que faltava pra chegar nas coisas do mundo que pudessem colaborar pra tua felicidade, que estivessem e não estivessem ao meu alcance pra desejar, pra oferecer, pra transmitir pra você; quase consegui contar também a quantidade enorme de estrelas que enxerguei nos teus olhos, assim que baixasse as tuas. Com um esgar, te ofereci um ensaio de sorriso e uma turbilhão de sentimentos. No mais profundo silêncio pro mundo e na conversa longa que nunca parou e nunca para nos universos em que residem as almas, combinamos de encerrar o jogo. Nenhum sentimento de vitória poderia existir em sequer te imaginar perder. 

domingo, 7 de agosto de 2022

So What


Duas taças encostadas, manchadas de vermelho no fundo, abandonadas perto da pia e uma garrafa de vinho vazia.


Miles Davis retido no ambiente (“so what”), 

a rebeldia de um jazz mítico de um músico genial, ecos da noite passada.


Paredes frias de um dia frio, manhã que deveria esquentar um pouco e lentamente e suavemente cumpre esse papel: esse de desgelar o tempo.


Estico o corpo.

Coloco a xícara na mesa.

Preparo o café e amo o cheiro inconfundível que invade o ambiente (como descrever cheiro de café? Casa? Café tem cheiro de casa?). 

Preparo algo bom de gostar e aguardo passos descerem a escada.

Sim. 

Ainda sinto frio.

Está aqui, indelével, em cada um dos meus ossos.

Sim. 

Ainda é inverno.

E que seja!

Que seja inverno.

Não importa. 

É tempo de sorrir com as estações. 


Ausente presente


Esteve presente em cada intenção de felicidade, em cada esquina que dobrei, nos caminhos que percorri e percorro.
Foi alicerce, carinho e fortaleza.
Minha base, meu apoio, meu tudo.

Comecei a acreditar em conexões de outra vida e começo a acreditar em reencontros em outras vidas, tudo por causa dela. 
Sinto falta de alisar o seu cabelo fininho e depositar um beijo em sua cabeça;  sinto falta do sorriso, das gargalhadas que sempre dividimos, dos telefonemas, dos nossos passeios na cidade, de cada um dos encontros, de tocar sua mão.