sexta-feira, 16 de junho de 2023

 Talvez não funcione nessas páginas.

Talvez eu não consiga dimensionar a agonia da semana que passou.

Do trabalho suado, corrido, apressado, preso nas entraves do judiciário.

Talvez eu não consiga exprimir em letrinhas a angústia. O caminho beirando a inutilidade do objeto que protelo, protelo e protelo, mas bate e volta numa parede impenetrável.

Na robotização de servidores, na lista infindável de coisas a serem atendidas e resolvidas antes que uma decisão envolvendo vida e morte seja tomada. 

Antes que o suspiro final de quem espera por ela diga que a luta foi em vão.

Era só uma curatela provisória, um respiro para pagar as contas de quem encontra-se inutilizado para fazê-lo. Um alento para que, em paz, os filhos da doente terminal pudessem chorar as lágrimas sem outras preocupações. Eu não recebi nada por isso, o meu pagamento seria dizer que estava tudo certo, ajudar de alguma forma num dor já  tão latente, tão pungente. 

Como, justiça, não tratar como urgente o que é urgente?

Uma movimento aqui, um movimento ali, horários, exigências, custas, comprovantes de pobreza, IR de três anos seguidos, consultas, consultas, consultas, pilhas intermináveis que crescem e adiam e alimentam a sensação de injustiça.

Como advogada eu choro. Como amiga também. Como quem teve tantas vezes dizer que ainda não conseguiu.

É difícil aposentar uma cliente e vê-la partir sem sossego. É difícil demais a sensação de algumas vezes não conseguir atingir.

Expectativas, sentenças favoráveis, decisões urgentes. O tipo de "não" sempre difícil compartilhar.

Nunca me acostumo.

sábado, 10 de junho de 2023

Amanheci lendo Ascenso (editar)

Quando a tempestade passa, ainda estou bambeada, ainda estou enjoada, ainda estou profundamente abalada, não pelos raios, mas pela minha indiferença ao quase ser tocada por eles.

As roupas, rasgadas, os farrapos que mal cobrem o corpo, aconpanham-me em um pequeno barco direcionado ao Marco Zero.

Eu respiro o ar conhecido, é noite, há fantasmas no ar, há contos de assombrações que me contaram poetas da noite.

Eu mesma, uma aparição vindo sabe-se-lá de onde, sou uma paisagem assombrada, branca como a lua, refletindo as últimas luzes quase apagadas da cidade. 

Há uma alvorada atrás de mim, eu sinto mais do que vejo. Ela empurra o barco e qualquer outro meio que me conduz. Meu próprio corpo, meus pés, dos iniciais aos últimos passos, acalorando a pele de arrepios constantes e não permitindo que o frio permaneça aqui. 

Os primeiros raios do dia, esses sim, alumiam minha visão, avermelhando, alaranjando, amarelando as construções queridas da cidade, os espaços que me abraçam mesmo quando não estou por perto, as saudades impregnadas nas paredes do tempo que passa, tão rápido, tão cortante, tão mordaz. Velozmente acelerando a vida e deixando coisas e coisas e coisas que não atingi a serem feitas, mas construindo coisas e coisas e coisas que nunca imaginei-me capaz de fazer.