Era dois mil e sete. Eu escrevia meu trabalho de final de curso, feliz com a temática que havia conciliado minha relação ambivalente com o direito: Inimputabilidade e semi-imputabilidade penal por anormalidade psíquica — uma abordagem psico-filosófica. Carregava os poucos livros sobre transtornos mentais e atos criminosos que encontrava, Foucault, um documentário sobre o HCTP (Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico), uma visita ao local e a vontade de escrever comigo, que resultou em oitenta e cinco páginas.
Não fui uma aluna exemplar de Direito. Mas fui de todas as cadeiras de Português, Sociologia, Filosofia e Psicologia que encontrei no curso e, estranhamente, também de alguns direitos civis e processo penal. Não cruzei com a matéria que adotaria como prática, paixão e profissão. Direito da previdência e seguridade social era eletiva. Me encontrou dez anos depois. Estamos juntas até hoje.
Tirei nota máxima na monografia. De tudo que percorri na vida acadêmica, escrever sobre o tema foi o que me despertou paixão. Levei a Nau dos Loucos, de Bosch, para a apresentação. Carreguei de arte e psicologia. Pude falar de Freud. Busquei pontuar formas de o Hospital de Custódia não ser uma prisão perpétua. Acreditei, com vinte e poucos anos, na minha tese. Acreditei em cada palavra.
Hoje, enquanto enxergo o direito através de um vidro embaçado, me sinto distante — muito distante — de suas soluções. Da aplicação jurídica. Da minha capacidade de alcançar a equidade na balança. Sei, não sou uma apaixonada. Longe disso. Mas, a despeito da minha preferência por outros caminhos, ainda me impregna a ideia de justiça. Ainda luto com as armas que tenho ao meu alcance. Ainda acredito que, cega, pode enxergar.
O que me despertou esse trajeto de retorno — que não me é prazeroso, embora não traumático — foi a notícia de um menino dentro da jaula de uma leoa. Um menino que não teve chance de sair. Lembrei da minha insistência em apontar soluções, na tese, para reinserção social dos internados sob medida de segurança do “Manicômio Judiciário”. Para reintegrá-los. Mesmo sabendo que não tinham chance de sair. Uma chama que não me alcança mais, embora essas linhas me parecem feitas de suas brasas.
Então, ao escutar a história do menino e da leoa, pensando na inevitabilidade do seu trágico destino, enquanto brigo com as feridas abertas da sociedade — essa sim, fera — torço para que algum jovem com vinte anos esteja buscando soluções que um dia nos alcancem.
Talvez um desejo absurdo, embora infinitamente menor do que o absurdo do triste falecimento de Gerson.
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