Era muito cedo pra sentir-se assim.
A febre havia passado e no amanhã girava a esperança de que as coisas voltariam ao normal.
Normal? Dentro do possível. Do possível de quem carrega um segredo, uma mácula. O amanhã de quem passou mais de um ano sentindo-se contagiosa. Segregada. O amanhã de quem foi afastada de dias normais, de convivências. De quem perdeu além de aulas sobre matérias novas que impactariam em um aprendizado em ascendência, descobertas da juventude que teria que adiar pra depois. Ou pra nunca porque a morte pairava em cada possibilidade de esperança. Curada, porém, sentia-se atrasada, maculada, roubada, proibida. Sentia-se caindo em locais em que desconhecia as linguagens, as pessoas, as histórias, os costumes e os sonhos. Sentia-se sem sonhos. Desconexa. Desconectada. Avessa. Contagiosa. Tóxica e só. No futuro, pairava o desafio de reencontrar e redescobrir entre tantas coisas, ela mesma em especial.
Nenhum médico no mundo - falou o especialista - notaria a cicatriz. A tempestade havia passado. Dera uma rasteira na morte e escapara. “Amanhã já pode voltar”. Já?
Feliz com as perspectivas advindas da alta, mas completamente perdida sobre quais seriam elas, perguntava-se pra onde iria a partir dali. Tão, tão jovem, era muito, muito cedo pra sentir-se assim.
E agora, talvez, muito, muito tarde.
Só que hoje amanheceu lembrando.
(Foi quando uma presença invisível abriu a porta do quarto discretamente para então batê-la um pouco depois. Recebeu resiliente e sentiu que compreendia. Com a quantidade de pessoas que amava indo embora, havia resolvido descrer nas coisas que separam a vida da morte. Há certas presenças no ar muito mais vivas do que pessoas vivas, concluiu).
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