Em um edifício, há alguns andares que estruturam a base. Colunas de constituição, gênesis. Um andar, outro andar, uma escada no caminho, uma atalho pelo elevador, saídas de incêndio, minha casa, sala, quarto, a janela, o alicerce que me permite aqui.
Da janela em que estou agora, olho para o céu, o limpo céu da minha cidade. Uma cidade que ainda respira. Sinto o ar, vejo a palmeira à distância, a dança das longas folhas que acompanham a valsa da brisa, os pássaros que voam mais alto, os que não ousam tanto, as pessoas que caminham como formigas perdidas no tumulto do mundo. É terça feira, um dia como o outro. Estou em pausa das obrigações, estou sozinha. Disparei o despertador para tocar em vinte e nos vinte, bem. Nos vinte, vivo o que me permitem os intervalos.
Eu não sei para onde caminham estas linhas, embora o primeiro movimento sempre seja como as bases, as colunas: estruturantes. Droga, fui interrompida pela realidade através de uma ligação. Vinte minutos menos sete. Tenho treze agora. É assim. Horário de trabalho.
Eu queria continuar o texto de forma poética, mas o amargo insiste. Insiste em apagar. Ah, que seja. Eis o real. A vida avisa. A vida lança os sinais, bandeiras vermelhas. Faça.
Voltando à minha janela, onde o céu está azul, as folhas da palmeira dançam e os pássaros ousam voar, eu lanço uma canção. Estou mais para notas, do que para letras. Mais para sentir do que para ouvir ou falar.
Acabei de ver um vídeo de mil novecentos e oitenta e oito. Um tio meu, falecido e professor de engenharia, tinha um momento de fala durante uma aula da saudade e dizia: "aula da saudade. Nunca gostei desse nome. Falar 'saudade' é errado porque é como significasse desvinculação, como se fôssemos partir para luz e nunca mais nos ver, não é verdade?".
Sim, tio. Nesses três minutos que ainda me restam, ecoo tuas palavras e ainda acredito na impropriedade que é sentenciar o destino com uma palavra. E a palavra com um destino.
(Não tenho mais tempo. Gastei com dois textos anteriores, entre eles um posfácio precoce).