segunda-feira, 10 de junho de 2024

Se eu não estou escrevendo tem algo de errado.

Provavelmente algo certo no mundo, nos minutos em que vivo sem necessidade de questionamentos.

Mas se eu não estou escrevendo tem algo de errado. 

Algo de errado em mim.

segunda-feira, 11 de março de 2024

As cores do quadro são vivas e retratam a espada e a balança.
No entorno, flores e cajus preenchem a tela, onde uma mulher cega, no centro, de boca fechada, finge que os instrumentos que carrega na mão, poderiam fazer justiça. 

sábado, 27 de janeiro de 2024

Um textinho simples para a minha dançarina

 Minha pequena bailarina sola enquanto cresce.

Com coragem dança a música preferida, rodopia, gira, quase vira estrelinha. 

No acompanhar de seus passos, meus olhos brilham e meu coração - cer-ta-men-te - cresce.

No universo de coisas tão difíceis de entender, me permito compreender tão somente as fáceis: amor, orgulho, cuidado, torcida.

Minha bailarina aviva, esquenta, me faz enxergar razões pra existência, pras caminhadas, pras batalhas, pras lutas diárias com o mundo e comigo mesma.

Ela é o mundo, ela é tudo, a razão que me faz atravessar os cruzamentos e qualquer encruzilhada. 

O destino, o motivo, a pulsão até a chegada.

O alicerce, o fundamento, o sustentáculo, a alma.

 A chama acesa em toda a caminhada. 

domingo, 14 de janeiro de 2024

Do outro planeta

Durante um longo período, ela esperou que lhe fosse transmitida alguma resposta.

Não é que havia lançado perguntas ao espaço. Mas é que imaginou que de alguma forma o espaço compreenderia a interrogação presente no silêncio que lançava. 

Após passar, rapidamente, por alguns planetas habitados, concluiu determinada, que preferia os que encontrava vazios. Na ausência de perguntas e respostas que deveriam ser formuladas, havia a deliciosa descoberta nas perguntas e respostas que não deveriam. 

Pousar em um solo onde podia retirar o capacete era um deleite sagrado. Um presente raro na sua jornada intermitente. A astronauta, aproveitando o pouco tempo que tinha, respirou.

E naquele céu do planeta que não era azul, imaginou-se olhando para o céu de um que era.

(...)



Primeiro

Ontem, reparei que os teus olhos - escuros - brilhavam um pouco mais do que de costume. 

Sorri boa parte do tempo em que estivemos juntos e deixei, como sempre, que percebesse o quanto me encantava. 

Nunca tive problema em te revelar as coisas e coisas que passam comigo, nem dificuldade nenhuma em te transmitir a maioria dos meus sentimentos. 

Como um abraço, seguro, você irrompe conforto. Você transborda amor.

Eu não pude deixar de te querer ontem, como te quis antes de ontem e como te quero agora.

Saber que você existe me faz começar bem o dia. 

Na tua respiração, pro mundo, encontro respostas pro inconcebível. 

Na tua existência, serena, esbarro nas peculiaridades que me avivam o espírito.

Compreendendo o que me faz aqui. 

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Chiaro

As coisas mudam muito rápido se você parar para perceber.

Mas eu não estou interessada.
Não nas grandes mudanças, na aceleração dos momentos, na dilaceração dos segundos, nos exorbitantes eventos do mundo, no turbilhão, monumentos, explosões nem lampejos. 
Não.
Eu quero dias comuns.
Quero acordar e ir dormir sentindo a saúde dos meus. 
Quero a minha filha feliz, rodopiando, sem queixas, sem reclamações. 
Quero seu coraçãozinho forte e todo o corpinho crescendo, crescente, desabrochando e ficando gigante. 
Quero um café, um livro, um bom filme para assistir.
E o teu abraço de bom dia. 
(…)

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Outro encontro na Sertanense (editar)

Eu me lembro, embora não com precisão.

Quando fecho os olhos, quase sinto os paralelepípedos antigos encostando no solado do calçado, os odores desagradáveis mas afetivamente conhecidos, vislumbro as cores de tintas desbotadas dos edifícios, a beleza consumida das ruas projetadas para nunca serem abandonadas.

Eu vejo as lojas passando à minha direita e à minha esquerda, farmácias, padarias, lanchonetes seculares, uma ponte de ferro atrás unindo um lado ao outro da cidade, os barulhos dos passos atravessando da Rua Nova à Imperatriz, aquela parede com poesia de Ariano pichada e com cheiro de mijo que poderia evitar passar perto, mas que era irresistível.

Vejo as igrejas nas ruas, as pequenas praças de fontes vazias, os pombos no alto, no céu azul ensolarado, a quantidade enorme de transeuntes, um mar gigante de pessoas e indigentes transmutando papelão em casas. 

E eu me lembro, embora não com precisão, das tantas  vezes em que caminhei, senti e vivi o centro da cidade. Do cheiro dos sebos, dos garimpos animadores, do brilho do vidro e pulseiras dos relógios enfileirados nos camelôs, dos ônibus passando com menos cuidado, menos conforto e mais passageiros do que deveriam. 

E entre rostos e buzinas de carros, também me vejo, ansiosa, em frente ao cinema São Luís, tomando todas as direções  que me levam ao teu encontro. Cabelo longo, quase cobrindo a mochila das costas, inconsequentemente de salto e de preto. Invariavelmente de preto

Da nossa família fosse a única que resolveu morar longe, saindo de Olinda para Boa Viagem. Da minha família fosse aquela que me acolheu e adotou quando minha mãe quase morreu na mesa de parto. Da minha família, sempre lembro que teus olhos eram os mais compreensivos e o teu apoio incondicional. 

E é claro que os caminhos da cidade continuam me levando  ao teu encontro, mesmo que a definitividade da morte não faça disso possível, mesmo que seja com gosto de lágrimas e um amargor de saudade que eu te vejo me esperando, em frente à lanchonete Sertanense da Rua Nova, para dividirmos um lanche, um misto, uma cartola e uma coca gelada, sentadas no balcão.