O vinho era tipo Malbec, o último na minha lista de vinhos. Eu sempre tenho boa vontade, sempre acredito que a próxima experiência vai ser boa, sempre fico ali, teimosamente, taça a taça, procurando encontrar nele o que acho que falta, sempre acredito que o melhor de toda a vivência está em notar as nuances dela. Assim, enquanto trazia a taça próxima aos lábios, ouvia a música (um jazz) e procurava, calmamente, no cheiro daquele vinho o aroma de todas as coisas que eu gostaria de provar. De olhos fechados, nota a nota daquele jazz começando a me aquecer, sentada confortavelmente em meu azul escuro sofá, me permiti um suspense antes de viver uma aventura e passei longos minutos adiando o momento do primeiro gole, já que achei que ajudaria cumprir todo o ritual que aprendi sobre degustação e girei a taça levemente buscando outros novos aromas que me apareceram e também pareceram ainda mais especiais por serem secretos e depois a elevei só um pouquinho, procurando achar nela o púrpura exato que eu queria ver. Nesse ponto, entre satisfação e antecipação, me vi preparada pra degustar o vinho daquela taça que eu, otimista, enchera mais da metade e novamente fiz como ensinaram, deixando que a língua fosse a primeira a tocar no vinho e que depois o líquido morasse por alguns segundos em minha boca para que eu pudesse senti-lo como deveria e apreciá-lo na totalidade, permitindo à minha memória palativa indicar o que aquele vinho poderia significar pra mim e até onde me levaria. E então, enquanto os detalhes, a imaginação, as nuances, transformavam o Malbec no melhor vinho que eu poderia beber, pouca luz na sala, sombras na parede, a música, aleatória, mudando do jazz pra bossa nova, na minha mão, segunda taça, no meu corpo, um calor provocador, Getz rolando na faixa “Vivo Sonhando”, Joao Gilberto finalizando a última estrofe: “pobre de mim que só sei te amar”, me parece que ouvi teus passos e a chave girando, ansiosa, na fechadura da porta.
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