quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Pessoas por quem ela poderia ter se apaixonado I

Natália conheceu Henrique durante um hiato. Sim, um hiato. Um tempo em que ela não queria e nem se permitia querer nada com ninguém porque o relacionamento de sua vida, que estava sofrendo temporariamente por motivos que não tinham relação com falta de amor, espreitava quaisquer intenções de seguir adiante. Foi nesse tempo que Henrique apareceu.

Henrique era um pouco mais novo, mas carregava uma doçura e uma inocência de quem tinha bem menos idade do que ela. Sabe aquela pessoa que parece ter lido todos os manuais de decência? Que realmente para pra escutar quando você só precisa falar e tem poucas, pouquíssimas, mas as mais certas palavras? Pra quem se desnudar fica fácil porque você sabe que não vai prestar atenção nos defeitos, mas supervalorizar as qualidades de uma forma que vai te deixar tão a vontade que você fica tímida? Que vai te oferecer na bandeja os seus mais profundos segredos e sentimentos e apresentar a própria alma de uma forma que fica praticamente impossível escapar de apresentar a sua de volta? Um pescador inocente (?) que joga distraidamente a isca, enquanto observa o céu com um sorriso e como quem não quer nada, de repente, pesca o seu coração? Esse é Henrique. 

Henrique sempre foi atraente. Ela já o conhecia de tempos atrás, mas nada mais que um "oi" e um "tchau", já que ambos namoravam. Houve um tempo, esse hiato, em que ficaram os dois solteiros e terminaram, dessa vez, passando do cumprimento. Dali a falar de sentimentos e ter encontrado um no outro o amigo que precisavam, foi muito rápido. Ele compreendia e acompanhava e atentamente se envolvia nas questões dela, enquanto apresentava com entrega as suas. Não esperavam que um mostrasse solução ao outro. Nunca foi essa a ideia do relacionamento deles. Sabiam que o que precisavam e o que estava servindo como bálsamo entre os dois era a companhia. Só.

Henrique não era o tipo de cara por quem Natália geralmente se apaixonava. O que as conversas dele tinham de agradáveis, tinham de simples. Ele não frequentava o mesmo círculo cultural que ela e havia, certamente, lido muito menos do que estava acostumada e as referências quase sempre se perdiam numa conversa que ele logo adoçava com um sincero "não conheço, não sei, mas fala mais", o que ela fazia e ele escutava atentamente. E Henrique enviava direto algumas músicas de artistas da nova MPB. Um universo que ela nao conhecia bem e, na verdade, nao se interessava muito, mas qualquer relacionamento bom envolve troca de músicas. E o deles era definitivamente bom. Ótimas trocas. 

Um dia, Natália começou a ficar confusa com as intenções de Henrique. Começou sutilmente com uma saída em que o endereço dela era o último da lista de amigos e ele foi pegá-la primeiro, tendo que fazer um retorno muito grande pra pegar os outros que moravam bem antes dela depois. Tudo bem, normal, mas na volta ele fez o oposto e deixou todos os amigos antes dela (o que Natália concluiu com um rápido pulo do carro assim que ele parou). Depois, foi pegá-la pra um churrasco da "turma", que Natália descobriu se tratar de uns três amigos e todos os familiares de Henrique. Maravilhosos, por sinal. Daí, Henrique parou de falar dos problemas afetivos dele e começou a instiga-la a também esquecer os seus. "Virar a página, vai ter meu aniversário, onde tu sugere que eu faça? Ah, ótimo! É perto de você, o que vai quase te obrigar a ir".

Natália não queria saber de festas, mas não deixaria de ir ao aniversário de Henriqe. E começava a se questionar sobre ele. Estava envolvida. Tinha sido tão natural que parecia certo. Numa prévia de carnaval, em que saíram em grupo, sua amiga notou que ele havia passado a noite inteira olhando pra Natália e ela, de sua parte, dispensou toda e qualquer aproximação interessada de outros porque além da fase que estava vivendo, não se sentiria a vontade em ficar com pessoa alguma na frente dele. Talvez isso tudo fosse um indicativo de que tinham ultrapassado a barreira da amizade e o convite de aniversário parecia um passo importante pra definir aquela relação. Quem sabe?

No dia do aniversário, pela manhã, Natália foi à praia. O objetivo era ficar sozinha e passar aquela manhã inteira lendo, bebendo água e caipirinha. Fazia parte do seu processo curativo e ela estava bem, leve, quando recebeu o telefonema de Henrique perguntando se estava tudo certo e se ela tinha como ir à festa. Ela disse que sim e que não iria parabenizá-lo ali, o faria pessoalmente. Mal desligou o celular, quando um número antigo ligou. Seu coração disparou ao atender o ex namorado que precisava muito encontrá-la naquele dia.

(...)

Henrique ficou triste quando Natália não apareceu no aniversário e deixou isso muito claro pra ela. Mandou umas cinco mensagens durante a noite e a madrugada, todas insistindo e lamentando. 

Da conversa com o ex, o hiato dissipou-se e o amor voltou a caminhar de novo nos trilhos de sua vida. Como antes. 

Na festa, um encontro de Henrique com uma garota que parecia fantástica. Dois meses depois, Henrique ligou pra Natália dizendo que a garota estava grávida e que ele seria pai. 

Hoje, Natália viu na internet uma foto linda de um casal com dois filhos que apagavam a vela de um bolo de 11 anos. Juntos.

"Que família linda”.

Era Henrique. Cabelo e barba grisalhos, maturando o sorriso ainda infantil que o tempo e a vida havia deixado ainda mais bonito. Enorme, como ela sempre achou que combinava com ele. 

Natália sorriu. 

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