O pinga pinga da pia do banheiro incomodava.
Assim como a toalha jogada em cima da cama e o cabelo despenteado. O estômago fazia alguns rugidos, sinais de fome. Os olhos, embora fechados, tremiam.
A apatia, amigos, era tão tangível que da cena que visito em pensamento carrego pra realidade a bagunça particular. Ela não é minha, mas sinto como se fosse porque o meu lado humano - que às vezes aparece - ficou profundamente tocado. Ela não é minha, mas é como se, estando ali do lado tivesse sido contagiado com os disparos de desespero que ela lançava sem notar. Eu não a quero pra mim, mas trazendo um pouco pro meu lado, era como se ajudasse a soprar a vida que lhe faltava, aliviar os pesos que, embora invisíveis, curvavam o corpo pra dentro, as pernas retorcidas, encolhidas, os olhos fundos de pálpebras escuras, os membros transmutados em palitos de fósforo, a veia que não consegui enxergar e não me atrevi a tocar mas sabia que pulsava fracamente.
Naquele fio de vida, frágil, delicado, confuso e tocante,- até pra mim - enxerguei a denúncia franca dos problemas do mundo. Os problemas que eu ignorava quando reclamava dos meus. Escancarado como um tapa, abrindo meus olhos pra realidade, aclamando que eu acordasse pra atender o chamado mudo daquele corpo que jazia.
O mundo me cutucava em lugares que eu não conhecia, uma coisa chamada de coração doía, estendi a mão pela primeira vez na vida. Não tinha o dom de salvar ninguém, mas estava me permitindo as tentativas.
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