terça-feira, 9 de abril de 2024

A poltrona (editar pra sábado, melhorar final - exercício)


Tenho uma poltrona em minha frente, postada ao lado da porta de saída da minha sala de trabalho.
Estou me despedindo dela.

Como tantas coisas que já me serviram e não servem mais, essa poltrona, cinza, antiga, quase vintage, ostenta formas geométricas circulares, como se ousadamente quisesse simular a via láctea, planetas, o espaço sideral.

Comprei-a por um preço módico, assim que iniciei minha jornada no mundo da advocacia. Ficava ao lado da mesa de recepção do meu primeiro escritório, compartilhando junto comigo a espera por clientes que adentrassem a porta. 

Já serviu ao Seu Antônio, Dona Isabela, Angelita, Marcelo, Expedito, inúmeras Marias. Em outros tempos me cairiam lágrimas ao olhá-la e saber que a qualquer instante não estará mais ali. A maturidade, no entanto, me ensinou a encarar as despedidas como etapas, vírgulas para o adiante. 

Sei que a minha poltrona cumpriu muito bravamente sua história em minha sala. Sei que hoje, disfuncional, perdida no meio do meu atual espaço e tempo, precisa desbravar um novo rumo, ser assento, descanso e esperança em um outro lugar. 
Sei que ela, valente, também não chora ao se despedir de mim. 
Sabemos nós duas que o passado é base, arcabouço, alicerce, estrutura, sustentáculo, arrimo e semente para o presente. 
Mas que o futuro baterá na porta no instante seguinte.
Precisamos nos preparar. 

segunda-feira, 1 de abril de 2024

À vera (do exercício Marcilene - mais um - editar, melhorar)

Eu penso que estou dormindo, embora me sinta acordada, então fico menos hesitante quando te avisto no bar. 

Estou vestida com as minhas cores favoritas e hoje, troquei a sapatilha de sempre pelos sapatos de salto. Me sinto confiante. Me sinto confortável.

Teu rosto permanece obscuro, tuas expressões, estranhas, inusuais. Como um labirinto que sempre me perco, você me lança desafios que me entorpecem e eu tropeço nos meus próprios passos quando me dirijo ao teu encontro. Eu titubeio, eu me equilibro numa corda bamba.

Mergulhada no que já compartilhamos e ansiosa pelo que podemos compartilhar, mordo os lábios com doçura, nervosismo e pecado, sentindo os tons neons do ambiente cintilando em mim.

Você, molhando os lábios num copo de whisky, vista adiante, perdido em tempo e espaço inalcançáveis. Longe, distante, fora dali.

E eu, num voo solo ao teu encontro, presente, vivente, anormalmente ousada, penteio os cabelos com os dedos, jogo-os de lado, respiro, expiro, vivo o momento, ensaio o oi, a primeira fala, o primeiro sorriso, me preparo para o nada.

Me preparo para o tudo.


quinta-feira, 21 de março de 2024

Shěnxùn

Quando faltam-lhe palavras, Murilo sente a estranheza de não conseguir indagar-se enquanto pessoa.

Por muito tempo acreditou que escrevia para encontrar respostas, até que observou que eram as dúvidas que lhe movimentavam.

Nas questões, residiam as razões de continuar senão a escrever, buscar vãs tentativas de compreender a sua própria existência. 

Nas perguntas que formulava, argumentava com a vida sobre cada ponto que não compreendia. 

Na falta de palavras, Murilo, vazio, teve dificuldade de concluir até esse texto.

Faltavam-lhe dúvidas, fartava-lhe a vida, as vivências, os acontecimentos consumiam-no por inteiro, não havia o que objetar.

O debate interno, tão natural, tão intrinsecamente conectado à própria natureza de Murilo, resignara-se ao silêncio.

Emudecido por dentro, parou de escrever. 

Embevecido por fora, parou de questionar.

Me deixou uma mensagem antes de sumir completamente.

Um copo cheio, transbordando em minha mesa e um copo vazio, sem nenhuma gota, pairando como uma resposta sem resposta plenamente satisfatória.


"Eu não procuro saber as respostas, procuro compreender as perguntas". (Confúncio).


segunda-feira, 11 de março de 2024

As cores do quadro são vivas e retratam a espada e a balança.
No entorno, flores e cajus preenchem a tela, onde uma mulher cega, no centro, de boca fechada, finge que os instrumentos que carrega na mão, poderiam fazer justiça. 

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

"Onde florescem flores, também floresce esperança" (editar)

Eu não sei falar de Ana Maria tão bem quanto os outros falam, mas Ana Maria entende minhas limitações.

Generosa, certamente vai encontrar nesse texto cada um dos sentimentos. Ainda que não os coloque aqui.

Há algo em seus olhos, na serenidade do olhar, que transmite compreensão. Pura. 

E nessa compreensão que ela transmite, encontro-me perdoado, encontro-me absolvido.

Ana Maria sabe de todos os meus pecados e me conhece como ninguém.

Sabe que até retiro de mim bons momentos, mas que não hesito ao apertar o gatilho. Nem me arrependo dos trabalhos feitos. 

Ela conhece os rastros que espalho em meu caminho e apontaria até a cova mais larga que cavei. Mas Ana Maria nunca fala sobre isso. Nunca traz de volta os fantasmas. Mesmo que reze por cada um quando viro as costas.

Já falei que os olhos de Ana Maria, cada um, foram moldados com compreensão. Pura.

E olhando fundo neles, até acredito existir remissão para mim. 

Ao expiar os meus pecados, ela me permite um novo começo.

E mesmo que eu esteja apodrecido demais para começar bem, é sempre bom enxergar nos olhos de Ana Maria a possibilidade. 

 Mais uma vez me pego iniciando: rascunhos em um espaço branco.

Por necessidade me vejo traçando: histórias que não estavam nos planos. 

Por vezes, acabo insistindo: cedendo às letras um destino.

Na derrocada, termino escrevendo: curando feridas que até desconheço. 

Na teimosia, termino esse texto: alongando as ideias para um novo começo. 

domingo, 18 de fevereiro de 2024

A chegada (do exercício - editar)

Uma suspensão no burburinho do bar, nas notas da música e até do tempo: tudo interrompido por sua chegada.

No meu corpo, os velhos arrepios também denunciavam sua presença. E uma dor pungente, como um soco, no meio do estômago acompanhada de um gosto amargo na boca.

Embora estivesse de costas e assim pretendesse permanecer, senti cada um dos seus passos desbravando cadeiras, mesas e pessoas, até chegar ao meu encontro. Mantive-me firme até quando chamou pelo meu nome, mantive-me estático até quando tocou em mim.

Não anestesiei, entretanto, as emoções que me perturbavam. Não interrompi, todavia, a confusão que se agitava em mim. Certamente não deixei de sentir-me tocado da forma mais profunda quando seus dedos me tocaram da forma mais leve e nem pude deixar de amar e amaldiçoar ao mesmo tempo sua voz entoando o meu nome. 

Mesmo querendo de forma intensa ignorar sua presença e utilizando cada uma das minhas forças para fazê-lo, sabia que nunca havia morado em mim resistência necessária para desatender o amor.

E, assim, contrariado, atendi o chamado. Desvirei-lhe as costas.