sábado, 22 de agosto de 2020

During pandemia

Sozinhos, cada um em uma ponta, pensavam em uma forma de - de alguma forma - estarem juntos.

Ele conectava-se de mil maneiras e de mil maneiras tentava existir na vida dela.

Ela aceitava o que ele oferecia mas já havia cansado, e muito, de tomar café sozinha.
O preço, o passo, a dimensão... de resistir com um amor que já começou deformado.
Sem toque, apesar do desejo
Sem sentido, apesar da vontade
Sem esperança, apesar do amor.

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

O que aprendi com Sabrina e Júlia (quem dera tivesse sido com Jane)

Bebe do vinho tinto, seco e ácido, enquanto disfarçadamente olha pra ele.
Haveria de reparar em tudo, em todo o Homem, mas não, quis reparar exatamente nas mãos.
E não conseguiu disfarçar quando a olhou de volta, concentrada que estava nessa tarefa.
Deveria ter no rosto um olhar confuso que também, certamente, o confundiu.
O que diabos fazia de verdade ali?
Era a sua terceira temporada e já deveria ter aprendido a deixar o vinho tinto de lado, a beber champagne e a olhar nos olhos de um nobre.
Mas não. Ali estava ela, fitando indiscretamente as luvas do Duque mais atraente que já vira na vida, com lábios manchados de roxo intenso.

- Senhorita?

Com um susto por ser retirada de seus devaneios, Lady Clara Drinkwater, encarou o Duque de Alendele com os seus olhos de tom quase indefinido, muito assustados:

- Perdão, milorde. Pode repetir o que disse?
- Lady Clara, a senhorita me confunde. Não quero ser indiscreto mas não pude deixar de reparar que minhas luvas parecem mais interessantes pra senhorita do que eu mesmo.
- Não é isso, milorde - disse rubra de vergonha - Mas... Ah! Agora que já reparou, tenho que perguntar. O que as suas luvas escondem, milorde? Posso estar enganada mas acredito que vi um desenho por baixo delas em sua pele em um ou dois momentos quando gesticulou.

Clara viu passar rapidamente um brilho pelos olhos do Duque, quando se inclinou com um meio sorriso pra mais próximo dela, quase sussurrando em seu ouvido:

- Que Lady curiosa. Não creio que a sociedade aprove que tente olhar por baixo de minha roupa, lady Clara.
- Roupa? - abriu bem os olhos - Não, milorde. Você se engana. Foi apenas de sua luva e eu não estava tentando olhar, apenas não pude deixar de notar.
- Luvas também são consideradas vestimentas, milady. E nao acho que exista muita diferença entre não poder deixar de notar e tentar olhar.
- Milorde - disse Clara um pouco irritada - Sinto que estou sendo provocada pelo senhor e não devo prolongar essa conversa.
- Ora, milady. Foi você quem começou - disse ele, enquanto se aproximava mais uma vez - E quanto ao que tem embaixo de minha luva - sussurrou - se ainda continua curiosa, posso muito bem mostrar pra vc.

Clara dessa vez tinha certeza que estava roxa de vergonha e deveria estar um espetáculo aos olhos, com os lábios combinando com o tom da pele.

- Minha curiosidade acabou exatamente no momento em que o senhor parou de conversar como um cavalheiro. Com sua licença - se virou pra sair, mas sentiu as mãos dele a detendo pelo braço.
- Sair assim pode despertar curiosidade e maledicências, milady.  Aliás, acredito que já estamos sendo um belo espetáculo para um ou dois desocupados daqui. Não seria melhor que me concedesse essa dança para evitar comentários?
Clara olhou ao redor e certamente viu alguns olhares curiosos sendo lançados pra eles. Com um suspiro, deixou-se levar pelo Conde.

- Boa escolha - disse ele, enquanto já valsavam.
- Não foi bem uma escolha como sabe.
- Mas foi quase isso, não foi?
Clara estreitou os olhos e disse:
- Milorde, realmente tirou a noite para se divertir às minhas custas?
- Minha lady- disse sorrindo - confesso que estou me divertindo bastante mas no momento também estou salvando a senhorita.
-Me salvando? Posso saber de que?
- Certamente sabe que por estarmos dançando os boatos que correrão ao nosso respeito serão simples mexericos como tantos outros que se desenham essa noite. Mas se eu não a tivesse tirado pra dançar, teríamos uma cena bem pior pros mexeriqueiros: uma suposta briga de amantes.
- Amantes? - Clara se dividia entre a irritação e a indignação. Nunca ninguém tinha utilizado com ela aquela palavra e jamais imaginou que, quando conhecesse o respeitoso e belo Duque de Alendele, haveria de ouvi-la da boca dele na mesma noite - O senhor perdeu o juízo?
- Não. Apenas conheço bem o suficiente a sociedade pra saber que certamente um homem e uma mulher, belos e jovens juntos, tendo uma discussão no meio de um salão de baile, é um prato cheio para as piores fofocas.
- Alteza, sua imaginação é perigosamente fértil e começo a achar que é o redator principal dos jornais de mexericos.
Adrian, o Conde de Alendele, não conseguiu segurar uma risada e logo atraiu mais olhares para os dois.
- Me desculpe, milady. Demos mais uma deixa pra fofocas.
- O que me leva a ter certeza que devo ficar bem distante do senhor da próxima vez.
- Mas não sou o único ator da peça, milady. É a senhorita que desde o começo da noite me provoca.
- Isso certamente não é verdade.
- Posso prová-la que sim com fatos: um, a senhorita me desnudou, dois, a senhorita me fez uma pergunta indiscreta, três, a senhorita quase armou um escândalo com uma saída intempestuosa que nos trouxa a essa dança e quatro, a senhorita, involuntariamente ou não, faz graça de minha pessoa que já não levo tão a sério - disse sorrindo.


A valsa acabou e enquanto era conduzida por ele pra fora da pista, Clara pensava numa resposta. Antes que falasse, ele disse:
- Pois bem, depois dessa dança maravilhosa, sugiro uma trégua.
- Trégua? Antes de me defender de suas acusações? Me parece um truque para dá a última palavra, milorde . - falou enquanto estreitava os olhos.
-Ora, a paz não é o bem maior a ser preservado? Pois bem, ofereço a paz e prometo aplacar a sua curiosidade se prometer aplacar a minha.
- Nunca me passaram por estúpida milorde, mas não estou entendendo onde quer chegar.
- Eu prometo dizer o que tenho embaixo da luva, se me disser exatamente qual é a cor dos seus olhos.

Clara, surpreendida com a proposta, ficou muda por um instante, enquanto o Duque falava:
- Só essa noite, já vi mudá-los de cor umas três vezes. Me pareciam esverdeados quando fomos apresentados, depois adquiriram um belo tom de mel enquanto discutíamos e posso jurar que agora, me parecem quase amarelos. Estou fascinado e querendo ver quantas cores podem adquirir e em que ocasiões mudam de cor.
 Clara ficou vermelha mais uma vez mas logo se recompôs.
- Me pareceu outra provocação e não uma trégua, milorde.
- Só estou curioso e fascinado, milady. O que me diz? Temos um acordo?
- Sua Graça, não posso dizer qual é exatamente a cor dos meus olhos, já que, como reparou, parecem não querer se definir. Mudam com a luz, com as estações, noite, dia..
- Com as emoções?  -  disse ele, com os próprios olhos azuis, escurecendo, enquanto a fitava.
- . Não sei - enrubesceu - De qualquer forma, minha mãe diz que não sabe de onde vieram, que não são olhos ingleses.
- O que a faz especial, certamente.
- O que me faz diferente, isso sim, milorde.
- Felina demais pros ingleses.
-Bem, sim. Não precisa intensificar os comentários de minha mãe.
- Isso foi um elogio, milady. Não sei se já ouviu falar de mim antes de hoje, mas quando ouvir vai saber: gosto de tudo que é especial.

Clara tinha certeza que dessa vez tinha ficado mais vermelha do que o possível e quis mudar de assunto.
- Então, respondido. O que tem embaixo da luva?
- Calma milady. Seria justo se te desse uma resposta sobre isso se tivesse me respondido de fato a minha pergunta. Mas afinal, ficamos sem definição.
-Milorde, como posso te dá uma resposta exata depois de tudo que falei?
- Então, faremos assim, milady. Quando eu mesmo descobrir a resposta, te revelo meu segredo.
- Não me parece justo!
- Um resposta por outra resposta. é claro que é justo.

- Adrian, Clara - cumprimentou o Marques de Ravener, irmão de Clara, se aproximando dos dois - Me parece que se tornaram inseparáveis desde que os apresentei - falou em um tom provocador, porém firme, encarando o Duque nos olhos.
- Matias, meu amigo, não preciso que se faça de protetor. Eu e sua irmã, apenas estamos tentando chegar a um acordo.
- E que acordo haverias de ter com minha irmã, meu amigo?
- Matias - disse clara - nao precisa fazer uma tempestade. Estávamos apenas conversando.
- Mas, minha irmã, se o Duque, meu amigo, quer fazer um acordo com você, como ele bem sabe, deve fazer antes comigo.
- Matias, não é como se estivéssemos falando de casamento, amigo.
- Pois tome cuidado, meu amigo. Dependendo do acordo, pode muito bem resultar em casamento - E, Clara. Nossa mãe quer vê-la.
- Matias! Se você arrumar alguma confusão com o Duque, certamente vai dá motivo para mexericos que tenho certeza que preferiria evitar.
- Vá ter com nossa mãe, Clara - disse sem olhar pra ela.
- Com sua licença então, milordes - falou clara enquanto saía como uma tempestade.

- Posso estar enganado - disse Adrian - mas sua irmã não me parece ser das que levam desaforo pra casa.
- Posso saber pq tanto interesse em Clara, meu amigo? Estou começando a desconfiar que se apaixonou.
- Ora, Matias. São apenas comentários inocentes. Não precisa agir assim. Sou eu e você me conhece.
- Por isso mesmo estou estranhando, meu amigo. Nunca o vi trocar mais que três palavras com qualquer debutante ou rosa inglesa.
- Me perdoe, amigo. Mas é de sua irmã que estamos falando. Se ela é uma rosa inglesa, certamente tem espinhos e sabe muito bem se defender.
- E como, em tao pouco tempo, descobriu isso tudo sobre ela? Por acaso ela precisou se defender de você, meu amigo?
- Não, acho que poderia dizer que foi o contrário.
-Não gostei dessa brincadeira, Alendele.
- Faz anos que não me chama pelo título, com certeza está me saindo um belo irmão protetor.
- Clara é...clara é...diferente, entende? Sinto que ela pode se meter em alguma confusão sem querer, por ser muito inteligente e curiosa. Ela nunca se deu tão bem em bailes. Sempre reparando e comentando mais do que deveria. Eu a admiro muito por isso mas sei que não é do tipo que encanta a sociedade, embora seja, por exemplo, a mais bela desse salão.
- Sou obrigado a concordar.
- Ela simplesmente não....se encaixa.E sinto que tenho que estar sempre por perto.
- Meu amigo, sei que deve ser duro dizer isso e nem imagino como é ser irmão mais velho de uma lady, já que não tenho irmãos, mas não acho que Lady Clara precisa se encaixar em nada. Se ela não combina com a sociedade, pelo que te conheço, sei que você a admira por isso.
- Eu a acho perfeita e não mudaria nada nela! É divertida, conversa sobre qualquer assunto e até esgrima! Veja só, isso é um segredo que espero que fique entre nós.
- Ela esgrima? - um brilho passou mais uma vez pelos olhos de Adrian.
- Sim e bem, amigo. Mas conto com sua discrição quanto a esse assunto.
- Pode contar.
- De qualquer forma, é isso. Eu a admiro mas aqui estamos na terceira temporada dela. E ela espanta todos os pretendentes como você deveria saber se não estivesse longe da Inglaterra durante tanto tempo.
- Ainda me sinto longe da Inglaterra mesmo estando aqui - disse Adrian com uma sombra passando pela sua expressão.
- Também me sinto distante mesmo estando em casa. Você sabe o quanto a Itália significou pra mim.
- Sei sim, amigo. E me pergunto até hoje por que voltou.
Com um suspiro e uma expressão triste que logo disfarçou, Matias respondeu:
- Sou um irmão mais velho e herdeiro do título, amigo - falou como se isso explicasse tudo.
- Nem sempre elas vão precisar de sua proteção, Ravener. E a Itália não esperará pra sempre.
- Que seja, amigo- disse conformado.