sábado, 28 de agosto de 2021

A música preferida

 Há algo poderoso em “Can’t help falling in love.”

Algo no que Elvis fala, mas também no que ele cala.

Transcende várias coisas que entendo como amor, apesar de ser sobre ele. Sobre a força de eventos inevitáveis, coisas destinadas a ser. 

Há algo maior que está nas entrelinhas, mesmo ele cantando sobre a entrega mais profunda, incompreendida pelos sábios, escolhida pelos tolos, sobre rio fluir pro mar.

Está no “certamente”, na falta de controle, na aceitação de estar emaranhado em uma rede que te tira de um lugar confortável, de saber que ser levado assim nao é uma escolha.

Pegue minha mão e minha vida inteira - ele fala.

O que me importa é sentir - ele cala.

O que me importa é sentir.



 


O inverno acabou.
Restam as folhas que caíram, mortas
A saudade de vê-las vivas
O verão que parece não chegar.


O retorno dos Chocolates

     Estou desempacotando todas as coisas que farão desse espaço a minha casa, mesmo distante do que sempre chamei de lar.
     Colocamos pouca coisa no lugar e tenho mil pedaços de minha outra vida espalhados nesse novo canto, esperando e aguardando para serem transformados.
     O tempo bem frio me machuca às vezes, vivo correndo atrás de pequenos pedaços de sol e me deito em cada canto que encontro eles. Você sorrindo da minha inquietaçao com o tempo, com a vida, com o mundo, sempre foi o sinal que precisei pra saber que mesmo quando tá assim, tudo espalhado desse jeito, caramelo salgado, tbm está enlouquecidamente certo. Mais até.

      Me distancio um pouco das caixas e resolvo tomar um ar na varanda. Caminho até lá, soltando os cabelos que cresceram ao ponto de quase tocarem o meu jeans e ainda desacostumada com a minha nova vista, me surpreendo contente, encontrando um ótimo lugar pra começar um jardim. 
     
 A campanhia tocou e acho que você nao escutou pq tocou mais uma vez e fui atender desinteressada. E não era pra ser surpresa, mas foi: a caixa de chocolates igualzinha, do mesmo jeito que te descrevi. Corri logo pra conferir o endereço e abri um sorriso: dessa vez tinha o meu nome. Me pertencia. Assim como as flores que iria plantar nos próximos dias. Meu jardim. 



Abro a porta e vejo ali, no escuro ainda, naquele início de noite, embalado e misturado pelo som melodioso que tu sempre coloca pra tocar, o detalhe desse amor profundo que tive a sorte de encontrar um dia e que reencontro em
todos os outros. 

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

A cura

Nas trêmulas e fra(n)cas linhas daquela hora, em que por pouco ainda não estavam minhas últimas palavras, lembro do invejoso dia em que não pude sair ao relento, nem pude viver a primavera da minha juventude recém descoberta. Enquanto via tudo ao meu redor florescer, rezava que a febre não voltasse e que me deixasse pelo menos terminar algum texto. Na alvorada que me permitia a vida, descobria alguns autores que teria muito bem deixado pra depois, se a ocasião me permitisse acompanhar as entusiasmadas festinhas que me foram terminantemente proibidas. Lia bastante, começava a escrever, transformei o título de um romance da minha avó em um poema em que uma jovem pegava fogo. Encontrei minha poesia. 
Mesmo depois, me redescobrindo viva, me sentia tóxica e diferente. Tinha um medo constante de pegar fogo de novo e a sensação contínua e insistente de que algo havia pra sempre sido roubado de mim. 
Não entendia. Não entendia que algumas flores precisam desabrochar de uma forma diferente. Não entendia que nos caminhos de fogo e de algumas noites escuras estão tudo o que algumas pessoas precisam pra aprender a amar a luz. As cores. 
Mas aprendi.
No meu corpo jovem e curado morava todo ensinamento que eu precisava pra deixar meu corpo fraco e doente pra trás.

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Tá tudo bem

 Tá tudo bem, tá tudo bem, tá tudo bem...

Esse é o nosso jeito de fazer as coisas, a gente apara as arestas, ajusta, monta, desmonta, de um jeito, de outro, tá tudo bem... É apenas uma mudança, de novo, é apenas um novo jeito de viver que parece melhor mas que a gente não  conhece e sim, dá frio, dá nó, dá aperto e calafrio, mas a gente vai junto, então tá tudo bem... 

Você diz que fui eu quem escolhi e apontei a nova forma e quis mais do que você, mas sei lá, me sinto um espelho, reflexo quase perfeito do que tu sentes, eu sei tuas próximas palavras e teus mais íntimos desejos, a frase que sai, a frase que cala, eu te conheço e sei que você também não está conseguindo dormir bem essa noite, o sono não vem, a ansiedade é maior mas tá tudo bem e pro bem.

Sinto como uma continuação diferente, mas tá tudo bem sentir esse aperto, as mudanças, reviravoltas, furacões, estremecem, bagunçam, tiram um pouco as coisas do lugar, mas fica tudo bem, eu sei, pq a base é forte e não cai, amor, nem mexe e eu sei que você também sabe, apesar do sono não chegar mesmo com o cansaço, eu sei que você sabe melhor do que ninguém.

Tá tudo bem. Com o que vai e com o que vem pela frente, com esse novo ciclo repentino, que seja bem vindo e querido. As plantas são minhas e os espaços vazios serão preenchidos, te prometo amor, mais quadros, de novo. E o amor de sempre. Com cor, em trio. Tu sabe, amor, tá tudo bem. 

terça-feira, 3 de agosto de 2021

IX

Está chovendo muito, daquelas chuvas que caem fina mas molha tudo, sabe? 

Fui até a janela pela terceira vez pra ver se realmente estava fechada e ainda assim, continua parecendo que a chuva cai dentro da casa.

Tremo de frio, é o finalzinho do inverno. Vivo sonhando com os dias quentes que virão e desejando sol sem nuvem nenhuma na frente. 

Não penso em nada que não seja me esquentar e percebo que tenho que comprar mais tapetes. Ou me mudar, embora goste muito dessa casa. 

Vou peregrinando por mil desses pensamentos inúteis, postergando os que realmente deveriam estar ali. As pontas dos meus dedos estão doendo enquanto escrevo esse texto. Mais partes do meu corpo doem e eu percebi que com a idade, as coisas exteriores tendem a doer mais, mesmo que as interiores passem a doer menos. 

Estou quase desistindo desse texto, quando ouço uma música bem suave vindo da sala. Menos reflexiva e mais animada, começa a fechar o computador, lembrando que também chovia quando nos reencontramos. Na música que toca agora, eu não escuto a letra, mas sinto teu amor na melodia. É...você sempre sabe o jeito certo de me dizer que está por perto e que eu não estou sozinha.