quarta-feira, 30 de março de 2022

Ela achava que tudo melhorava em certo ponto. Sim. Sentia melhoras nela. Apesar do novo tapa, apesar de ter sido surpreendida outra vez com notícias que daria tudo pra não escutar - embora tivesse esperança que de ruim se tornariam boas, notava que as feridas lentamente iam se transformando em cicatrizes.

É que se reencontrava no meio da tempestade, reconhecia. Naquele ponto em que continuava percebendo que passava conforto pras pessoas, afago. Naquele ponto em que carinhosamente e sinceramente e profundamente cedia parte dela mesma, sem ressalvas. Naquele ponto em que, mesmo em busca da sua, permanecia intensamente apaixonada por almas. E a respeito disso em específico, sabia: não iria mudar. 

(“‘Beija-nos silenciosamente na fronte. Tão levemente na fronte que não saibamos que nos beijamos senão por um diferença na alma.)

sexta-feira, 25 de março de 2022

Quase herói

O pinga pinga da pia do banheiro incomodava.

Assim como a toalha jogada em cima da cama e o cabelo despenteado. O estômago fazia alguns rugidos, sinais de fome. Os olhos, embora fechados, tremiam.

A apatia, amigos, era tão tangível que da cena que visito em pensamento carrego pra realidade a bagunça particular. Ela não é minha, mas sinto como se fosse porque o meu lado humano - que às vezes aparece - ficou profundamente tocado. Ela não é minha, mas é como se, estando ali do lado tivesse sido contagiado com os disparos de desespero que ela lançava sem notar. Eu não a quero pra mim, mas trazendo um pouco pro meu lado, era como se ajudasse a soprar a vida que lhe faltava, aliviar os pesos que, embora invisíveis, curvavam o corpo pra dentro, as pernas retorcidas, encolhidas, os olhos fundos de pálpebras escuras, os membros transmutados em palitos de fósforo, a veia que não consegui enxergar e não me atrevi a tocar mas sabia que pulsava fracamente. 

Naquele fio de vida, frágil, delicado, confuso e tocante,- até pra mim - enxerguei a denúncia franca dos problemas do mundo. Os problemas que eu ignorava quando reclamava dos meus. Escancarado como um tapa, abrindo meus olhos  pra realidade, aclamando que eu acordasse pra atender o chamado mudo daquele corpo que jazia. 

O mundo me cutucava em lugares que eu não conhecia, uma coisa chamada de coração doía, estendi a mão pela primeira vez na vida. Não tinha o dom de salvar ninguém, mas estava me permitindo as tentativas.

quarta-feira, 23 de março de 2022

Pequenas feias lindas margaridas

Nunca gostou de receber flores, mas quando ele chegou, sorrindo enormemente, com aquele buquê (?) de margaridas bagunçado - provavelmente feito com flores roubadas de algum jardim - sorriu de volta ao abrir a porta.

Dessa vez, antes de entrar na casa, ele depositou os sapatos no tapete do hall de entrada e pareceu mais confortável que na última visita e ela, estranhamente, também.

Não quis pensar muito sobre o assunto (e nem que as meias dele eram quadriculadas) e mostrou o sofá para que ele sentasse, enquanto saiu a  procurar alguma coisa parecida com um vaso pela casa. Sem encontrar o que queria, pegou apenas uma parte das florezinhas e depositou no copo já com água que estava na cozinha.

A surpresa maior ao voltar pra sala com aquele copo de florzinhas na mão, não foi encontrá-lo mexendo, olhando, averiguando sua coleção de livros e CDs.

Foi gostar disso.

Sabia que ele escolheria o disco e o livro certo e gostava disso.

Depositou o copo com as pequenas e feias margaridas na mesa do centro. Achou lindo. 

(Parece que o nome disso é conforto, mas também chamam de amor).

(Minha parte no conto a três)

Estava diferente, sentia diferente.

Nos filmes, quando apertavam o abdômen, não encharcavam a mão de sangue. 

Nos filmes, geralmente existe um grito no estampido, uma agonia no som do bala rasgando a pele e outros tecidos do corpo e não essa surpresa muda de ser baleado praticamente no meio da rua e só perceber tarde demais.

Nos filmes, eles caem lentamente encostando-se na parede e deixando um rastro parecido com pintura registrado.

Nos filmes, eles parecem reviver no curto espaço que separa a vida da morte, histórias que valeram a pena, alguma conformidade, mas dor na despedida e não aquele branco desesperador de quem simplesmente vai. 

Sim, parecia diferente de tudo nos filmes: minha morte iminente, o pouco caso da multidão que preferiu continuar o protesto a conferir o corpo no chão e a gargalhada que soltei cheia de sarcasmo, fazendo mau uso do que parecia ser o meu último fôlego e que, aparentemente, a atraiu e fez correr em minha direção. 

Sim, tudo diferente dos filmes, tudo, menos ela. 

Fiz um esforço incrível pra não fechar os olhos quando ela chegou.

A sua imagem...coisa de cinema. 


terça-feira, 22 de março de 2022

As fitas K7 do Cara da Paraíso Brinquedos

Era muito cedo, mesmo assim estava na hora.

Ele já havia tomado banho e separado a camisa da pequena empresa que administrava.

Recolheu o caderno onde registrava os fiados, colocou a mochila pesada nas costas e não teve oportunidade de esquecer a caixa de ferramentas.Perto da porta,como um bilhete que escrevia pra si mesmo, já encontrava-se depositada. Assim como as fitas. Objetos sacros, importantes e essenciais pro seu ofício, inconcebíveis de esquecer.

E é sobre as fitas que quero falar hoje porque ninguém guarda, conserva e utiliza essa mídia tão bem quanto ele. Longos anos de gravações, aguardando serem tocadas pelas rádios suas músicas favoritas.Mesmo que o tempo e as novas mídias tornassem a tarefa ultrapassada, mesmo que o atual alcance entre ele e essas canções, estivessem apenas a curta distância de um download (ainda não estamos na época dos streamings), mesmo que tudo indicasse que aquele passatempo - assim como sua própria juventude - estava obsoleto, nada superava o momento de apertar o “rec”, quando o locutor anunciava a próxima música e os acordes iniciais indicavam que valia a pena guardar. 


O Cara da Paraíso Brinquedos não tinha toca fitas no carro e nem gravador. Carregava um stereo que devorava pilhas quando não utilizava eletricidade e por isso passava longos minutos entre sua casa e o trabalho dirigindo em silêncio. Ali, pensava e contabilizava as músicas que tinham sido gravadas no dia anterior, ficava orgulhoso de ter armazenado algumas faixas raras e fazia planos pra combinar o momento adequado de tocá-las em seu pequeno parque de diversões. Sempre achava que quando o carrossel e o novo brinquedo de nave espacial que, audaciosamente, havia decidido instalar, começassem a girar, deveria combinar e embalar as risadas das crianças com grandes canções.Pensou naquela que falava sobre um rádio, notícias cósmicas nebulosas,um homem estelar esperando no céu e seu conselho quase insistente sobre deixar as crianças dançarem livremente.Sim, “Starman” era mesmo uma grande música, um som pra ficar guardado, gravado, colacionado junto de momento inesquecíveis, memórias extraordinárias, impossíveis de apagar. Perfeita para grandes e pequenos parques de diversões. Ainda bem que havia gravado. 

(Veio-lhe à mente a versão brasileira da música. Não sabia exatamente de quem e nem a letra, mas lembrou o refrão: 

“Vou chorar sem medo/ vou lembrar do tempo/ de onde via o mundo azul”. 

Tentaria gravar.)

quinta-feira, 17 de março de 2022

A queda?

Escorreguei, era uma pequena poça, mas fez um grande estrago. Tentei, inutilmente, apagar as marcas de lama deixadas nas pernas, na saia, no início do dia, querendo, com pouco sucesso, impedir que também marcassem as boas intenções que ele anunciava, a pretensa sorte que me sentia predestinada, os planos que dariam certo e os encontros que valeriam a pena relembrar depois. 

Continuei, tola, otimista ou bem humorada, ajustando as vestimentas e ignorando os machucões no joelho, aos quais talvez devesse um pouquinho mais de atenção e o salto!  Por pouco não quebrado, mas perigosamente rachado - quase anunciando uma nova queda. 


Pisei, com cuidado, mas firmemente à frente, retirando os cabelos que haviam caído no rosto, limpando a vista pro que vinha adiante, à frente e continuando apesar da queda. Continuando.


"Buildin' you a rocket up to outer space"

As despedidas são tristes e a astronauta prefere evitá-las. Após vestir-se de branco e ajustar algumas partes de sua vestimenta, olha apenas de relance para trás. Mal se vira, deixa apenas um dos olhos viajar rapidamente pelas coisas e pessoas que abandona e não se despede. Ela não consegue. 

Entrando, determinada, na nave que seria - talvez pra sempre - a sua nova morada, toca os objetos que lhe farão companhia em sua jornada. Apresenta-se mentalmente pra si mesma: "aqui estou, presente!". Sente que já está enlouquecendo. Premedita que enlouquecerá.

Ingressa no sonho sabendo que em partes dele também moram os pesadelos. Sorri nervosa com a recém adquirida lição de sabedoria, mas não tem tempo para arrependimentos: as turbinas já começaram a cantar as primeiras canções de despedida que as levarão pro espaço.

A astronauta fecha os olhos, uma lágrima escapa. Começa a calcular o tempo que falta pra descobrir a verdadeira cor do universo, é tudo tão rápido, supernovas, cometas e pessoas desfilam em sua mente, alegrias, descobertas, tristezas, saudades. Caminhos que talvez jamais se cruzem de novo, flores que não colocará em túmulos, flores que não receberá, vidas que não terá tempo de compartilhar e conhecer, perguntas que deixou sem respostas pra responder as próprias perguntas que talvez não consiga nunca responder. 

A astronauta abre os olhos e diante dela, como que pra tranquilizar a combustão de sentimentos, revela-se, incontestável, a primeira resposta… 

…as estrelas…

…elas valem a pena.


quarta-feira, 16 de março de 2022

Não para

Sobre quando não esperamos que as coisas mudem, mas elas precisam mudar.

Sobre o movimento, lento mas preciso, do tempo e a forma como desenha no corpo e na mente as marquinhas iniciais.

Sobre um amor que descubro e redescubro nos desafios que a própria vida lança.

Sobre as transformações, incompreendidas mas bem-vindas, especialmente na mente.

Sobre os desafios que já enfrentei e que não foram suaves e as tatuagens que eles deixaram menos no corpo que na alma.

Sobre essa vontade que me acorda, dias calmaria, dias tempestade. Sobre também me aceitar tempestade. Me aceitar.

Sobre você e a forma especial que me enxerga, me recordando sempre quem sou.

Sobre você que aceita e ama minhas mudanças, mesmo que ainda nem eu tenha me acostumado com elas.

Sobre amar o sol e também a lua, sobre deitar ou dançar confortavelmente, sobre os pisca-piscas coloridos no escuro e luzes neon. Sobre a grama que deito e o barzinho simples e pouco iluminado tocando a música favorita. Sobre o cheiro do perfume de alguém amado preenchendo toda a casa. Sobre as lágrimas de alívio e emoçao. Sobre as dores que ensinam mais que os prazeres. Sobre os momentos que nao sao bons, mas que sempre passam. Sobre acreditar, correr, achar um canto pra sonhar, receber vento no rosto, divagar sobre tudo, divagar sobre nada, querer, sempre querer, nao parar de querer. Não para.


domingo, 13 de março de 2022

Troféu Hemingway (merecidamente)

Parece que inventei esse jogo de minicontos. Hemingway inspirou. Exige jogadores pacientes que tenham uma paixãozinha por escrever e que  gostem de desafiar possibilidades. O objetivo é simplesmente contar uma história - como quiser - em até duas linhas, uma narração completa com o mínimo de palavras possíveis. Ali deve estar tudo: no ponto final a desnecessidade de complementos. Deixa sim espaço ao leitor pra voar com a imaginação diante das elipses narrativas, mas só a título de sugestão porque cada palavra nele já deve ser suficiente. Não me parece justo ter perdedores. O ganho é notoriamente particular. Um auto desafio, bom pra jogar sozinho, bom pra jogar acompanhado - e a depender com quem se joga bem divertido. Penso em praticar bastante - perfeito pra associar minha falta de tempo com minha vontade de escrever. Patentear também.

Seguem, como maus exemplos, minhas tentativas frustradas de hoje:

O Astronauta

É que li um miniconto sobre um astronauta. Em duas linhas passava tudo. Local, sentimentos, descobertas e encerrava ao mesmo tempo com fé e desespero. Eu não me sinto hábil ao ponto de contar boas histórias em duas linhas e tenho vontades que interrompem até minhas boas histórias. Porém, eu tento. Essa tem quantas? Poderiam ser duas, transformaram-se em três e agora são quantas? Quatro? Acho que depende do formato. 

A Lua

Ah, o pensamento que interrompe meus papéis e cálculos, apenas pra me fazer sonhar sobre um dia em que eu não precisei sonhar. As estrelas eram suficientes e a lua... brilhava só pra mim. 

A Astronauta

A astronauta, os movimentos, sua dança, a ausência do peso na gravidade. Espectadora, tenta tocar as estrelas que assiste mesmo que pareçam fora do alcance. Mesmo ali. 

A escritora

Leu o que escreveu e não desistiu. Estava viva, amava letras, pessoas, transformar o movimento do lápis em sentimentos. Isso bastava, criar. Perdão pra quem ainda costuma lê-la já que nada parece fazer sentido. Nem as histórias e nem os sentimentos. 

O jogo

Virou um jogo sim. Eu consigo. Duas linhas. Apenas duas linhas. Interrompem meu sossego pela impossibilidade de não conseguirem ser apenas duas linhas. Contenha-se agora. Para. Impossível? Impossível. Me excedi outra vez. 

O primeiro céu

Perseverante, mas péssima em resumir. Especialmente quando falo sobre o céu. Existe tanta coisa pra falar sobre o céu, mas vou calar. Olha hoje! Basta olhar. 

O segundo céu

Olhou? O céu? Há cores e encantos que ele mostra e cores e encantos escondidas que só se pode imaginar. Perco muito tempo imaginando. Perco?

Seguem também as que, aparentemente, acertei:

A imaginação 

Chegou, me fez continuar a brincadeira e terminar mais um texto. Bem-vinda, imaginação, bem-vinda. 

A pontuação 

Parecia que morava no ponto a eterna interrogação.

A porta

Na fresta da porta encontravam-se os segredos que nunca pensou em dividir. 

O amor

Romances são mitos, parceria é amor. 

O amor dele

Teu amor está na varanda, na janela, na cafeteira. Na taça de vinho esperando meu brinde na mesa. 

O amor dela

Meu amor está nos detalhes que enfeitam e preenchem o lar que nos permite sonhar. 

O início

Parecia tão bom quanto o primeiro pedaço de um bolo preferido.

O meio

Maduro, enxerga nos desastres oportunidades de crescimento.

O fim

Otimista ou tola, enxergava no fim um começo. 

A mulher

Inspirando-se, encantando-se com detalhezinhos. Continuava assim. 

O livro

E o livro aberto era um convite mudo pro seu universo. 

A pergunta

Quem sabe ali não mora a lição mais preciosa sobre simplicidade?

A conclusão 

Parece que encontrou um jeito das coisas andarem do seu jeito. 

A esperança 

Que seja como hortelã: um doce ardor. 

*** Inspirado no miniconto de Ernest Hemingway : "Vende-se um par de sapato de bebês. Nunca usados".

sábado, 12 de março de 2022

Espero que goste


Não se assuste. Vai chegar uma carta pra você. Talvez não tenha assinatura, ainda estou pensando sobre isso, mas vou te enviar porque esse ano eu resolvi escrever cartas pra todo mundo que gosto. 


Pode ser no aniversário, numa data comemorativa, em uma época que significou muito pra gente ou em um dia outro qualquer. Algo bem simples, mas per-so-na-li-za-do, provavelmente poucas palavras, porém intensas-e-verdadeiras. Não quero deixá-las guardadas aqui, quero dvidir, dedicar, fazer alguém tão bem quando enveredar a lê-las quanto me sinto ao escrevê-las. Assim sendo, decidi: esse ano vou mandar cartas pra todo mundo que gosto.


Não fiz uma lista, não sei por onde e qual ordem começar, tenho até pessoas que nem começaram a ler em mente, pode ser que sejam físicas ou virtuais, pode ser que eu não consiga entregar todas pesssoalmente, encaminharei como um presente, teu presente. Abre? Recebe? Desfruta? Resolvi: estarão assinadas. Esse ano assinarei carinhosamente cartas pra todo mundo que gosto.


Não quero que seja tarde demais e que eu me arrependa de não tê-las enviado antes que a vida ou morte torne isso impossível. Não quero saber apenas depois e quando receber um pacote delas que foram guardadas de volta que importaram pra alguém de uma forma que me deixa alegre e triste porque a parte em que parei de escrever guarda um branco e um vazio que me arrependerei pra sempre de não ter preeenchido. Não pretendo mais poupar palavras, tenho muitas, tenho várias, tenho pra não acabar. Tendo traçado esse plano pra ontem, já me pego atrasada, mas inicio, escrevo as primeiras linhas, dedicatórias, transcrevo os nomes, recolho as memórias que me fazem de imediato sorrir, lanço no papel os sentimentos que me trazem, não reviso - não é honesto revisar sentimentos -  deixo apenas ir. Do primeiro ao último ponto. Ficou bom? Espero que goste. Esse ano já comecei a escrever as primeiras cartas pras pessoas que gosto.


Caso não receba até o último dia, caso - sem querer - eu tenha deixado passar, caso eu mal te conheça ou ainda não tenhamos sido apresentados, reclame, proclame, requeira. Me peça. Esse ano vou enviar cartas pra todos os que gosto, mas tenho alguns papéis reservados pros que posso aprender a gostar. 

quinta-feira, 10 de março de 2022

Éris


Tenho lido sobre galáxias e corpos espaciais.
Nunca decoro o nome, mas fico espantada com a criatividade dos astrônomos e cientistas.
Me pego sorrindo com as referências à mitologia, deuses e com as piadas internas que quase sempre encontro ali.
Ah, claro! São pessoas que sempre olharam mais pro céu do que pra terra e obviamente devem possuir uma espécie de humor particular que mal compreendo, mas me atrai.
Hoje, foi sobre um planeta anão que desbancou Plutão como planeta.
Pelas suas características próprias, únicas e singulares, causou um pequeno caos no Sistema Solar.
Seu nome é Éris, em homenagem a uma deusa greco-romana da discórdia. 
Seguiram-no alguns outros novos corpos celestes similares que decidiram bagunçar também as antigas definições.
Eu amo nomes pequenos e descobertas que reformulam velhos conceitos.
Se eu tiver um outro filho ou filha, já decidi.
Vou buscar inspiração pro nome deles em um planeta anão. 

terça-feira, 8 de março de 2022

Não incomoda receber flores de quem entende


Teve episódios terríveis com homens. Não com os que escolheu. Os que escolheu e deixou chegar perto não a viram como objeto. Ela nunca deixaria se aproximar de verdade quem a enxergasse assim.
Mas os que escolheu foram poucos. Conta nos dedos de uma palma da mão. Ou menos, por ser seletiva ou por nunca ter tido os melhores exemplos de homens por perto ou simplesmente porque tinha muita dificuldade em se apaixonar de verdade mesmo. Achava muito desgastante. 

O problema sempre foi os que não escolheu, mas escolheram ela. Esses prejudicavam tudo. Até suas suaves intenções de romance futuras. Faziam com que desacreditasse. E aconteceu muito cedo, era quase uma criança. Uma brincadeira de esconder transformada em um momento de assédio, onde só poderia sair do esconderijo depois de um beijo. O primeiro que recebeu. Na verdade, o primeiro que lhe foi roubado. Assim como seria, um pouco adiante, a sua primeira vez. Um lugar que não escolheu, uma pessoa que nunca escolheria, uma bebida que não gostava, uma amiga que não era amiga e que chamou suas tentativas de fuga de frescura. Uma armadilha que não conseguiu escapar ali e que permaneceu presa por incontáveis anos depois. 

Esses dois fatos, por terem sido primeiros, tomam uma importância maior nesse texto e acho que representam bem os episódios terríveis citados na primeira frase. Falar ainda do que sucedeu depois deles e com os dois personagens masculinos envolvidos é o tipo de coisa que não quer dá relevância agora. "Esses 'homens' não merecem ser referenciados em lugar algum", me falou e concordei.  No entanto, não foi assim que terminamos nossa conversa. Ela continuou:

- Sabe, falar desse tipo de coisa é um mal que termina fazendo de certa forma um bem. Relembrar é doloroso, há cicatrizes recém ou não curadas, me sinto exposta, quando odeio exposição. Odeio que as pessoas visitem esses meus espaços íntimos que eu não queria que estivessem ali. Na verdade, nem gosto que muita gente visite meus espaços íntimos porque são meus e expô-los assim é contra minha natureza. Então eu tento separar. É como se não fosse minha fala, mas a fala de outras pessoas que passaram por coisas piores ou parecidas. Um eco, sabe? Um eco porque precisa ser repetitivo e incomodar. Saber que me levantei dessas intempéries e de outras que não comentei me faz sentir forte, mas sei que não sou regra, sou exceção. Uma que se levanta e diz pra outra que tem jeito. Queria que ecoasse hoje mais dessa forma. Compartilhar importa,  não estar sozinha importa, um abraço importa, tentar mudar importa. Deu pra entender? Não quero apenas um relato triste, quero que soe também como impulso, estímulo, furor, enfrentamento, poder. Um "vamos, resiste, não desiste”. Será que tem como soar assim? Não é que me incomode receber flores, longe disso. O que me incomoda é recebê-las de quem não entende. 

terça-feira, 1 de março de 2022

Oceano

Peixes.

Nadando por aí, distraídos, sonhadores, mergulhando na profundeza e na profundidade sem receio.

Peixes me encantam, multicoloridos são o que são: lindos. Pequenos viajantes. Encantantes. Tenho uma predileção especial por peixes. Singelos, sinceros, correndo sempre perigo inconsequentemente, mas indo, sempre em frente. É que sonham demais, percorrem demais. Corações, mentes. Ah, que bom de ver, viver, reviver. Tão, tão, tão doce. Nesse mundo assim, parece injusto, parece deslocado, transcendental. Deixo livre, nadar livre, vai, vai. Sem volta (?). Tão bom de ver chegar, tão lindo e triste de ver partir. Difícil entender, impossível não doer. Mas vai. O mundo é pequeno, um oceano é pouco. Pode ir. Peixes.