quarta-feira, 24 de setembro de 2025

Síndrome de Takotsubo

 —Bom dia filha, cadê tu?

Eram oito e meia, quando a tua mãe te enviou a mensagem. Você não respondeu. Tinha outros interesses. Também recusou os ovos que te pediram no mercado. Não precisam ser todos, apenas três. Acreditou que ele venderia. Que não precisava daquela ajuda, mas de outra. 

Você deu um beijo apressado no marido quando ele viajou a trabalho. Voltaria logo, a cidade era vizinha, ali. Você não demorou no abraço na última vez em que viu sua tia. Era só mais um abraço. Outros viriam.

Quando você a reencontrou, na sala isolada do hospital, onde a herpes zoster a segregou perto do fim, você não conseguiu falar. As máquinas em pi, pi, pi, simulavam, não é isso? Seguravam o que? Era vida? Meia vida? Enquanto houver respiração, é vida? O que diz a medicina?

Você achou que ela não escutaria e não se despediu. Você não consegue falar quando está emocionada. Nem chorar. Guarda. Pelo menos até virar linha. Pelo menos até um novo texto.

Quando teu amigo sofreu o acidente e você encontrou a mãe no dia seguinte, não conseguiu ficar ao lado dela. Nem dele. As mãos estavam frias, a pele esbranquiçada. Difícil aceitar que talvez não escutasse mais a voz. E o riso. Uma gaitada em rá sublime. Você sorriu lembrando, não foi? Era único. E não é. Não é mais.

Você pensa que tudo bem. É assim que as coisas são. Não há previsão para a próxima angústia. Você se amarra na culpa, deixa-se enforcar. Remói achando que poderia ser diferente. Que poderia controlar. Se engana e sufoca. Você mal respira quando dói.

Você pensa que deve fazer os exames e passa um dia e depois outro e encosta as pilhas de prescrições. Inventa desculpas, não agenda as consultas. Você corre na esteira enquanto o joelho dói. Condromalácia. Você sabe que não deveria. Mas faz.

Quando recebeu a pasta, cheia de cartas, fotos, lembranças que fez na infância e direcionou ao pai, não achou que ele guardaria. Nem que seria parte de tua herança recebê-las de volta. Assim como a caixinha de jóias que presenteou tua tia no natal. Você não queria de volta. Você pensa em nunca mais comprar presentes.

Mas você agradece. Há um lugar onde pode derramar tudo. Para tirar do peito. Você acha que não deve escrever assim. Em lamento. Era para ser um exercício e virou um diário. Uma lista de coisas que você se engana achando que poderia controlar. E tem mais. Mas você cansou de escrever sobre elas. Já chorou por hoje.