sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Marriage

- Lucas, gostei do seu último artigo.
- Finalmente você me elogia. Tinha parado de escutar isso há uns 2 meses.

E quatro dias. Era exatamente o tempo em que estavam morando juntos. A decisão não foi precipitada: namoravam há 7 anos e sempre tiveram certeza de que terminariam juntos. Mas... porque aquela sensação de que tudo estava errado? E porque se irritava quando, abrindo a farmácia do banheiro, achava todas aquelas coisas dela: cremes e potes e sabonetes e pílulas e pílulas e pílulas.
Sofria de "enxaqueca", ela dizia.
O onibus dava enjôo, ela falava.
A pressão subia na tpm, contou.
Sem o anti-alérgico não sobreviveria, dramatizava.

O engraçado é que, em 7 anos, jamais imaginara que sua namorada era hipocondríaca. Ou ela disfarçava bem, ou não conviver com ela, como agora, ajudava a ocultar isso e outras e outras e novas coisas... e mais algumas: ia descobrindo uma nova mania, um gesto, um tique, uma paranóia, todo o tempo.
Sufocava a cada dia.

Ela nunca pensou que moraria com algúem, assim, daquele jeito. Tudo bem, era moderna e acostumada com a nova cena, pelo menos era sobre o que escrevia no mesmo jornal em que ele contava sobre economia.
Se conheceram no trabalho, foi inevitável: bancadas vizinhas em que passavam horas divagando e escrevendo, divagando e escrevendo... Logico que chegara o momento em que se reparariam.
E assim começou. E aqui continua indo.

Tivera sonhos romanticos sim, era mulher, foi menina, brincou de barbie, leu cinderela e acreditou em fadas e príncipes. Nao esperava um cavalo branco, mas aquela situação não era nem de longe o que sonhara: nem tinham anel de compromisso. Não se sentia casada. Dormiam na mesma cama, dividiam a mesma casa e rachavam as despesas. Mas o que seria aquilo, casamento? Nao se sentia mais que uma mistura de empregada e namorada.

Sua enxaqueca aumentara desde que resolveram assumir aquilo. Entupira todas as gavetas da casa de dorflex. E iria no médico exigir um analgésico mais forte. Não tinha paciência pra cozinhar, limpar a casa, atender os telefonemas e transar com o "marido". Toda vez que ele deixava uma camisa fora do lugar, perguntava o que iam comer, o telefone tocava e quando, de noite, ele começava com aquele jeito tão familiar a pedir carinho, parecia que a cabeça dela ia explodir. Vinha disfarçando bem, se entupindo de analgesico, lógico. Na verdade, sabia: precisava de um entorpecente. Mas desde que casaram não usaram drogas "legais" ou ilegais. Precisava ser dopada. Pq ele nao notava?

- Não viaja, foi só um elogio - disse.
- Vou ler sua coluna, agora.
- Faz três horas que você tá lendo jornal e até agora nao viu minha coluna?
- Vou ver agora, Luana.
- Certo.
- Que foi?
- Nada nao.
- E porque essa cara?
- Nada, mas sabe a primeira coisa que eu faço quando abro o jornal? Vou direto pra sessão de economia e leio tudo que tem teu nome embaixo. E olhe que nem me interesso pelo assunto!
- Mas, meu amor, você tá irritada com isso? Você sabe que eu adoro o que você escreve!
- Adora tanto que lê por ultimo...
- Ah, Luana...nao quero discutir.
- Certo, me ignore.
- Meu irmão! Qual é o seu problema? Eu nao fiz nada de errado, po!
- Vc faz TUDO errado, Lucas! Tudo! Você joga as camisas no chao, você nao atende a merda do telefone, você nao me ajuda com a casa, mal me escuta, mal me olha e ainda espera que eu prepare lanchinho enquanto você ler QUALQUER MERDA QUE NAO SEJA MINHA COLUNA!
- Seu problema sou eu, entao? Você quer que eu vá embora?
- Só quero que você me deixe em paz, ok?! Vá embora se quiser, mas me deixe em paz!

Ela começa a chorar. Ele morre de pena. Ficava dividido: obedecer o impulso de sair pra qualquer canto, batendo a porta com força e deixá-la só, ou consolá-la e abraçar e dizer que tudo vai ficar bem e que ia se organizar melhor, a partir de agora.
Ela era linda. Reparara, um dia, que mesmo na cozinha, suada (pq o apartamento era poente e a grana deles curta), cabelo preso, cheiro de temperos, cara de poucos amigos por nao saber cozinhar, ela não conseguia ser qualquer coisa senão linda. E ele só tinha vontade de beijá-la e falar que amava muito.
Mas ela andava tao distante que nem sabia mais o que dizer...

- Luana, desculpa.
- Me deixa.
- Nao precisa chorar, desculpa.
- Você nao entende...
- Nao, mas me ajuda a entender, me conta o que 'tá sentindo...
- Eu nao sei...tá tudo tão difícil...
- A casa, é? Difícil de cuidar? A gente pode contratar alguém... eu chego tarde, saio cedo, nao tenho tempo pra te ajudar com isso. Mas, desculpa, fui egoísta: pensei que só porque seu horario de trabalho era menor que o meu e por voce ser mulher, saberia cuidar melhor dessas coisas...desculpa...
- Nao temos dinheiro pra contratar ninguem...tem aluguel, condomínio, agua, luz, comida, telefone...tah tudo diferente, Lu...
- Amor, eu me esforço. A gente estica a grana. Nao quero mais te ver chorando. Nem quero continuar mantendo nada que afaste a gente, assim...
- Deculpa, amor...ando nervosa...
- Eu sei: culpa minha. Me mate.
- Ahahaha! Mato mesmo, voce merece.
- Amor, deixo tua coluna por ultimo pq sempre deixo as melhores coisas por ultimo, lembra? Quando eu to almoçando, por exemplo, separo a picanha e deixo pra comer depois de tudo.
- Tá chamando minha coluna de picanha?
- Nao, mas a escritora é tao gostosa quanto.

Riram do elogio-piada-chinfrim, se beijaram e transaram no sofá. Depois,ele foi tomar banho, enquanto ela ajeitava a bagunça da sala. Saindo do banho, ele ajustara o despertador do celular e se deitara, esperando que ela tomasse banho e fosse pra cama. Quando ela deitou, ele já sonhava.
Um novo dia, amanha.
Melhor?

Passaram a semana toda procurando empregada. A grana cada vez mais curta, o telefone cortado e ele ainda dormira fora duas noites, dizendo que ganharia um adicional se pegasse horário noturno. Ela imaginava mil coisas e nao se concentrava em nada. Cortara o dedo, fazendo almoço e ele ainda não gostava do que ela cozinhava. O dorflex acabando, as enxaquecas piorando e pra piorar: sua menstruação atrasada há 8 dias.

Mas tudo se resolveria e teminaria bem, no final. Quando ele tomou a decisão mais difícil de ficar em vez de sair e bater a porta é porque sabia que valia a pena.
Acho que isso muda tudo, não?
É o que dizem...
(...mas porque ele não ajudou a arrumar a sala?) =/

2 comentários:

Bruno disse...

Pois é... a simples posição que ele se põe (e propoe) de ajudar à ela nas "coisas da casa" o faz pessoa boa, pois até ajuda sua mulher nas coisas de casa. Mas isso não tira, para ele e a sociedade, a(s) obrigação(oes) da mulher no lar e para o Marido (assim, maiusculo).

A própria moça o pos nesta situação deixar ao cargo DELE decidir se acabaria ali, ou TERIAM mais uma chance. Ele continua, SEMPRE, como Senhor.

Victor disse...

e la nave và...

engraçado. a temática dos teus textos no início do blog, pelo menos pelo que eu percebi até agora, eram mais "tapa na cara".

hoje em dia, estão mais "amélia". mas, por favor, não toma isso como um xingamento. :P