terça-feira, 23 de novembro de 2021

A criança (universo de 13 filhos)

Esperou, sem entender muito bem, perto dos irmãos mais velhos.

Eles conversavam baixinho e murmuravam mil coisas, mas seu ouvido e sua pequena cabecinha, registravam apenas palavras como “pai”, “mãe”, “chegaram” e “não”.


O “não” deixava ela triste. Aparecia com muita frequência nos últimos dias. 


Os irmãos viviam atentos, de ponta de pés nas janelas, esperançosos, que os pais e a irmã mais velha voltassem pra casa. Ela não. Ela não encontrava brechas entre os irmãos pra esperar e nem alcançar aquela visão deles voltando. Ficava de costas, empurrando seu pequeno carrinho de madeira que nunca corria muito longe pelo corredor, já que não tinha forças para lançá-lo onde queria. 


Ali, lembrava bastante da irmã que sempre vinha em seu auxílio, depois de forrar com capricho todas as camas da casa, sua pequena função nos afazeres domésticos que exercia como se fosse grande. Assim como tudo que fazia.

A irmã andava quase dançando. Entrava em um quarto, saía de outro em uma mistura de ballet e alegria particular e única. Em cada entrada e saída, sorria pra ela que também sorria de volta, sem conseguir evitar. Era contagiante.

Chorou um pouquinho lembrando que, quase sempre, no meio dessa dança, a irmã abaixava, chegava pertinho e dizia: 


- Não precisa ter forças, pequena. Só precisa querer. Me dá aqui.


E assim pegava o pequeno brinquedo e o fazia viajar pelo corredor inteiro. E naquele momento, como em tantos outros, parecia ser a irmã algum tipo de mágica que com vontade e energia transformava carrinhos de pequenas rodas em foguetes espaciais. Sim Salabim e  tudo ficava gigante, maior e melhor. 


O seu coraçãozinho apertou, cheio de sentimentos que ainda estava aprendendo a compreender, quando olhou pra aquele espaço, mais escuro e mais frio do que em sua lembrança. Sem ballet, sem dança, sem mágica. Sem ela.


Depois de enxugar as lágrimas de seu rostinho, abraçou o brinquedo com a força e o amor que abraçaria a irmã se ela estivesse por perto e preparou-se pra lançá-lo com determinação, querendo, como nunca, que ele corresse pelo corredor inteiro.

Fechou os olhos quando o empurrou e sentiu dessa vez que ele andou mais um pouquinho apenas para parar mais uma vez e completamente no meio. 


Não teve tempo de se frustrar, porque sentiu a agitaçao de seus irmãos na janela e já ia levantando pra ficar com eles, quando levou um susto.


O telhado da casa tremia como se tivesse caindo, os irmãos gritavam como se estivessem machucados e o carrinho, sozinho, se lançou com uma força sobrenatural pelo corredor.


Os pais chegaram sozinhos.

Adeus no Porto

No cais do porto, ele, Elvis, enxergava as luzes sumirem no horizonte.

As mãos por dentro do bolso, único sinal de que talvez sentisse frio, denunciavam a postura de quem continha ou escondia os próprios sentimentos. 

Retirou uma das mãos e alisou o cabelo escuro, como que se arrumasse os fios que o vento teimava em tirar do lugar, conseguisse também arrumar um pouco a confusão particular que sentia. 

As luzes, pontos brilhantes cada vez menores no horizonte, tão belas quando não significam separação, levavam pra longe partes de uma história que nunca estaria suficientemente preparado a se despedir. 

Ele, Elvis, não entendeu quando uma lágrima escorreu pelo seu rosto, mas também não impediu que outras seguissem o mesmo caminho e chorou ao lado do mar de Silv’ry.

As mesma luzes que, efusivas, anunciavam chegadas, também, um dia, anunciavam partidas e enquanto ele, Elvis, chorava um adeus nesse porto, alguém, em algum lugar, abria um sorriso em outro. 


“I saw the harbor lights

They only told me we were parting

The same old harbor lights

That once brought you to me”.


***Inspirado em Harbor Lights de The Platters, versão gravada por Elvis em 1954.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Vigília - Parte II

Deixei o corpo de Franz quente na cama e o olhar que sempre indagava, mas ao mesmo tempo compreendia se eu não quisesse responder às perguntas em seus olhos.

Corri pra varanda, um pouco suada e cambaleante, ansiando que o frio da noite profunda e da madrugada acalmasse a confusão que aqueles sonhos (?) haviam deixado marcada em mim.

Olho pras minhas mãos que tremem, esperando encontrar a arma e a flor que evaporaram tão rapidamente quanto surgiram.

Sinto um vazio profundo por não ser mais quem eu era poucos minutos atrás e abraço meu corpo, querendo gostar de mim também agora.

Onde estava a saia lápis, o charme e os cabelos que achei lindos? Onde estava a juventude ou a maturidade que há pouco tempo, em sonhos, vivi? Onde estava o alívio causado pela fumaça invadindo meu corpo do cigarro que abandonei no quarto? Onde estava o encanto pela minha beleza, pela lua no céu, alta e prateada, anunciando pra noite que eu estava ali? 

 Estava?

Tenho desenvolvido vício por varandas, aceitando bem também as brechas nas janelas. À noite.

Ali, na vigília, deixo o frio e o silêncio, acalmar os pesadelos que sempre me atormentam quando tento dormir. Estou perdida no tempo, querendo ontem e amanhã, mesmo amando o agora. Lá dentro, vejo que Franz apagou a luz, me chamando do jeito dele a voltar pra cama.

As pequenas luzes da manhã começam a invadir o meu momento e expor pro mundo toda a minha confusão. Incomodada com os primeiros raios de sol, deixo pra trás a noite que amo, esperançosa e disposta a amor o dia. Também. E talvez.


segunda-feira, 15 de novembro de 2021

E agora?

Você enrolava meus cabelos com os dedos e me olhava como se visse algo a mais em mim.

No meu corpo ainda quente e marcado pelo que vivemos ainda agora, surgem novos arrepios e vontade de te ter mais perto outra vez.


Involuntariamente, dirigi minha mão pro teu rosto, delineando a surpresa e confusao que te enxerguei sentindo, antes de fechar os olhos e se deixar ficar… completamente relaxado.


Ali, nao sei se queria continuar te olhando ou se te queria colado em mim, mas torcia decidida pra que os minutos durassem pra sempre e que neles se perdessem todas as nossas vontades….


Entregue e também confusa, sentia meu corpo ir sozinho em tua direçao e o teu, sem comando, se voltar completamente pra minha.


Nossas pernas se perdiam e meus cabelos, antes enrolados nos teus dedos, agora estavam apertados e presos em uma de tuas mãos. Quentes.


À deriva, soltamos um sorriso sem graça, espantados com o golpe magnetizante que sem volta nos unia, extremamente suspresos que daquele nosso antes e durante, surgisse, inesperada e urgente, a vontade de depois. 


E agora… 



segunda-feira, 1 de novembro de 2021

(Dobrou as pernas e, com o notebook no colo, encostada na cabeceira da cama, em um feriado sem cara nenhuma de feriado, escreveu:

Por que toda vez que falo sobre desejo, sinto a necessidade, logo depois, de falar sobre amor?

Trocas intelectuais, olhares, afinidades, livros, filmes e música, o que me desperta um, desperta o outro.

Claro, existe a diferença, a doce diferença que os anos denunciam: está no meio, no momento, no exato momento em que você não quer saber de nada, quando o mundo inteiro desaba e quando você se torna desinteressante e mais triste do que gostaria. É quando o amor fica ali ou grita. E na sua companhia ou resposta desesperada está tudo o que me faz continuar escrevendo, depois do desejo, sobre o amor.)