terça-feira, 28 de junho de 2022

Pequeno pensamento de terça que combinaria mais com o domingo

Uma estrela de luz, uma imensidão à direita, um universo à esquerda, um pequeno raio de sol escondido em um sorriso.

Um beleza serena, bondosa, embora incompleta. E o que é completo? O que é o completo? Se é.

Um respiro profundo, cheiros de coisas conhecidas, barulhos na vizinhança, estalos da casa, do corpo, do frio. Talvez frio. Talvez me esquente. Talvez te esquente. Talvez. 

Raios de luz que não são quentes, iluminando apesar da aparência. Iluminando.
Suficientes, sinceros, singelos. 
Quase toco a poeirinha que mora neles.
Não consigo. 
Impossível. 
Embora absorva a pequena mensagem de esperança. 
Sim!
Na pele.
Dourando.
Marcando.

E é o que importa, não é?


segunda-feira, 13 de junho de 2022

O que assusta mais que fantasmas


Eram quase cinco horas da tarde, havia chegado cedo do trabalho e corri pra brincar com meu filho Gael no quarto. Espalhamos, dividimos e compartilhamos muita coisa - especialmente risadas e momentos pra guardar e lembrar e, apesar do meu habitual cansaço, torci que o tempo passasse devagar e que aquele instante durasse pra sempre.

Estar cansada é o meu normal. Parto, puerpério, amamentação, rede de apoio distante, pandemia, educação, trabalho, família, casa, vida social. No meio disso tudo, me encontrar e ter energia é bem difícil às vezes, embora naquele dia não. Naquele dia, eu armei a discoteca e espalhei com ele uns doze brinquedos pelo quarto, sem pensar na trabalheira que seria colocar tudo no lugar e convencê-lo a parar, tomar banho, jantar e dormir depois. Ou me engano ou foi o café. Me sentia energizada.

Embora ele tenha tanta imaginação que eu mal alcanço, não esperava a revelação que me deixaria atônita e sem saber o que fazer. Ainda acho que foi um sonho, ainda acho que ele só repetiu algo que gravou de algum desenho ou livro, muito provavelmente ele estava inventando, mas seus pequenos olhos estavam tão sérios e tristes, que me peguei acreditando. 

Segundo Gael, havia outra criança no quarto. Um menino, de chapéu azul, que havia perdido os pais e estava triste por isso. "Ele não sabe onde tá a mamãe e o papai dele". Pedi que apontasse o lugar em que a criança estava, mas meu filho continuou apenas repetindo a história e fazendo sinal de "não sei". 

Antes de pensar em espíritos e me aterrorizar com a situação, outra coisa me ocorreu. Um temor maior, ao mesmo tempo amor, reza e torcida. Que me fosse permitido muitos anos e muitas ocasiões em que pudesse simplesmente estar presente junto do meu filho. Mesmo sem energia, mesmo me sentido aquém, mesmo nos dias em que me falta "café". Olhar dentro do seus olhos, transmitir mil milhões de sentimentos bons, aquecê-lo e fazê-lo entender que sempre, de alguma forma, da que puder e conseguir, estarei ali. 

E que em nossos momentos, acompanhados ou não de coisas que poderiam assombrar, deixemos os minutos durarem pra sempre, porque o que importam ponteiros de relógios que apontam e ditam coisas diferentes se decidirmos que não deverá ser assim?

sexta-feira, 10 de junho de 2022

IV- Um beijo de quem vai dançar e chorar as festas juninas e um abraço que te convida pra ver o sol nascer (editar)

Tania,

Ouvi teu áudio emocionado ontem, falando sobre o quão especial foi a última carta que enviei e me pedindo tempo pra responder à altura.

Mal sabe você, irmã, que especial é termos iniciado essa correspondência e qualquer palavra tua é mais que suficiente pra transformar todo o meu dia. Mesmo a intenção de te escrever, mesmo esse momento de agora, em que atropelo a tua carta e te envio essa minha, me faz abrir um sorriso muito meu. Sabe aquele? Pequeno e discreto, mas que tá ali? Te dedico ele agora.

O motivo que me fez pular tua resposta, nasce da simples vontade de querer te escrever. Ou talvez, sendo sincero, das coisas que me aconteceram por esses dias e que tive vontade de te contar porque sei que você compreenderia. É tão natural de você isso de não julgar. Me acostumei com esse espaço de acolhimento, é confortável, é como um abraço. Saudades do teu. Te escrevo querendo um abraço.

Tem duas datas pela frente que estão mexendo comigo, irmã. E talvez outra mais. O certo é que o dia 14 e dia 15 do mês de junho desse ano serão diferente. O primeiro, aniversário do nosso pai e o segundo o aniversário de nossa tia, cujas comemorações foram adiadas com a morte deles. Indefinidamente. 

Talvez não fosse tão difícil e não me fizesse pensar no tema de forma tão frequente se não ocorressem, coincidentemente, em sequencia. Assim como foi a partida deles. Assim como vieram os lutos. Talvez também eu lidaria melhor e deixaria passar essa triste coincidência, Tania, se eu não estivesse me sentindo enganado pela própria forma que sempre preferi enxergar a vida. Esperando o afago, no lugar do golpe. Jamais acreditando que algo poderia me derrubar porque eu não permito. Achando que me quebrar é difícil, que vou em frente, que não pestanejo, que sou suficientemente forte, apesar da minha aparência frágil. E, pelo visto, não é bem assim.

O fato é que eu sempre me levanto sim, irmã, sempre. Mas eu pestanejo. Você não vai notar, se não me olhar de perto (o que é difícil porque não permito), mas eu pisco, minhas lágrimas caem, abaixo a cabeça pra vê-las molharem o chão discretamente, dobro um joelho, vou me erguendo aos poucos e lentamente piso no espaço onde as lágrimas caíram apagando-as dali. E assim, escondo e parto. Só que algumas vezes é bem mais difícil. 

Ah, irmã, estou bem dramático hoje, falando de morte e de lágrimas e também isso me incomoda. Levantei até na terapia esse tema, sobre mudanças. Disse que tinha saudade de mim, de ser mais otimista. 

Pra terapeuta, essa questão é mais latente com a juventude, com a ingenuidade e é próprio do amadurecimento mesmo saber que faz tanto parte da vida as coisas boas quanto as ruins. Até mais as ruins (embora os momentos de felicidade sejam tão intensos e poderosos que a impressão é que sobrepõem todos os outros). Só que enxergar e olhar apenas pra uma delas é o que adoece as pessoas, Tania. E o que me salva é concordar com isso e não me permitir assim. 

As vontades que tenho de me alegrar, a disposição que tenho pra isso, mesmo quando me sinto desconstruído, partido e quebrado, é bem de mim. Assim como tem sido a permissão que venho buscando de me sentir a vontade quando nao estou bem também. Somos mais que algumas partes, querida irmã. Somos várias e todas elas - concordas? 

No momento, quero sorrir. Estou com boa energia pra isso. Também quero sentir essas datas ruins que me esperam como algo que inevitavelmente irá doer e, passando,  viver as festas juninas que virão depois delas. Eu gosto. Gosto de odiar o barulho de fogos, mas achar bonito vê-los no céu. Gosto de ouvir alguém cantando sobre os dois tipos de saudade e como algumas são amargas "que nem jiló", enquanto outras apenas passam. Gosto de dançar ao som de músicas que me despertam sentimentos e gosto de estar perto das pessoas que também me despertam isso. E olha que nem tenho filhos! Fico imaginando como me sentiria cada vez que ouvisse até seus simples passos pelo corredor. E olha que não tenho amor - e só posso imaginar como algo assim é poderoso e trasnformador. A verdade é que gosto de continuar, Tania. 

Sabe Cartola? Hoje de manhã, caminhando, escutei Cartola em algum lugar do centro da cidade. Era pra estarem colocando Pagode Russo em último volume, mas ali estava alguém, como eu, escolhendo ouvir que nas esquinas sempre existirão coisas que irão nos transformar, que triturarão os nossos sonhos, que nos quebram. É inevitável. Só que é aí que a composição dele me acerta. No agridoce. No ponto em que reconhece, aceita, não nega e, apesar de, não deixa de ir. 

Irmã, nunca fui de transcrever textos ou músicas de outras pessoas nas minhas cartas, mas dessa vez, me permite? Parece que me calar e deixar Cartola falar e cantar por mim seria o melhor desfecho. Encerro essas linhas minhas, te pedindo que além de ler, escute essa música. Há uma ondulação no timbre, na voz e nas notas, como que denotando o que ele quer contar ali. Tem um vai e vem que combina com tudo que te escrevo agora. E mais: o que tu vai entender, mesmo que eu não precise te falar sobre. A poesia.

"Deixe-me ir/Preciso andar/Vou por aí a procurar /Rir pra não chorar
Quero assistir ao sol nascer/Ver as águas dos rios correr/Ouvir os pássaros cantar/Eu quero nascer/Quero viver
Deixe-me ir/Preciso andar/Vou por aí a procurar /Rir pra não chorar

Se alguém por mim perguntar/Diga que eu só vou voltar/Depois que me encontrar".

Um beijo de quem vai dançar e chorar as festas juninas e um abraço de quem quer assistir ao sol nascer e te convida para as duas coisas,
MarCê-lo.
Obs: Nem te perguntei sobre você porque ainda estou esperando as respostas da última carta. Me atualiza duas vezes agora. 

terça-feira, 7 de junho de 2022

III - Um beijo de café e um abraço cheio de vontade de ouvir pássaros

Querida Tania,

Iniciei os meus rituais do trabalho e estava quase começando a me resignar com outro dia igual, quando tuas palavras chegaram e, com elas, inspirações pra recomeços.

Sinceramente, não achei que teria disposição pra esse dia. Está frio, dormi mal, comi pouco e emagreci ainda mais - minhas roupas denunciam isso, apesar da minha balança sem pilha continuar calada.

Eu tenho um espelho grande em casa - você sabe apesar de nunca ter vindo aqui, te mostrei no vídeo que enviei assim que me mudei pra essa casa. Além de apontar minha habitual magreza, no dia a dia, ele reflete e me mostra o algo que aprendi a mostrar pra todos. A aparência. Lembra que sempre desejei que vissem além? Fugi contigo durante a faculdade pra tatuar isso. Pois bem, continuo. 

Sobre a casa e o vídeo, até me recordei da alegria com a mudança, Tania. Da empolgação. É estranho como podemos ainda ser ingênuos com trinta e poucos anos, não é?  Ou como é mais doce nos enganar pra evitar amargores indigeríveis. Naquele momento, Tania, eu achei que tudo iria melhorar. Uma casa ampla, um jardim, uma grama pra pisar, deitar, uma enorme varanda pra assistir nascer o dia. Um quintal de fundo com paredes brancas - onde sonhei escrever e desenhar boas histórias pros visitantes lerem e se alegrarem enquanto se reuniam ao redor da churrasqueira. Eu preparei todo o ambiente pra visitas, Tania. Mais que o local, preparei meu coração. Ando muito cansado de não ver pessoas. Lembra como era o entra e sai da nossa antiga casa? Aquele barulho e bagunça que a gente se acostumou? A campainha que toca, alguém que abre a porta de repente (aqui todos torcendo que fosse da família), alguém que corre pra abrir, o "já vai" das tias, o cachorro do vizinho - Tito - latindo com a movimentação? Pois é, por aqui só escuto passarinhos. 

E não é que eu não goste de barulho de pássaros, Tania, você sabe que eu tenho uma predisposição natural pra gostar de coisas que vivem e até mais das que voam e pássaros sempre foram a minha paixão. Mas é nesse silêncio que incomoda que tenho encontrado eles. Deveria ser um alento pro meu coração, um canto pra saudar o dia. Então por que, na verdade, é uma agonia?

Me decepciono comigo, irmã. Parece que poderia morar em vários lugares que sonhei a vida inteira e ainda assim encontraria motivos pra não me sentir bem neles. Mesmo com passarinhos. 

Mas é cedo e um café me espera na cafeteira. Vou pegar a xícara e me aquecer com cada gole, assim como me aqueci com tuas palavras,

Fico feliz que continues amando as águas. Mergulhar nas profundezes, nas pessoas, nos sentimentos, sempre foi algo muito próprio seu. Está no brilho dos teus olhos quando conversas, sorris, falas besteiras. Quando perguntas por mim. Por todos. No carinho e no cuidado. 

Não saber de si acho que é muito próprio de quem realmente está se buscando - é o que me convenço. E, olha, o que tens passado é de se virar e desvirar do avesso. E aí estás, em busca. Não se cobra tanto, seja paciente e benevolente com você assim como tão bem és com todos. Também não tenta demais achar as respostas, deixa que venham. Dia a dia, momentum a momentum (lembra?). Viva.

Te agradeço por tanto, mas hoje só pelo agora. No agora, não escuto nada.... mas não é que até me bateu vontade de escutar os passarinhos? A culpada é você.

Um beijo quente de café e um abraço cheio de vontade de ouvir pássaros,

MarCELo.

Obs: vou tentar revisitar as paredes e te enviar coisas boas que estão registradas nelas, desde que me prometas enviar de volta o que quer que toque por aí também. 

segunda-feira, 6 de junho de 2022

II - Um beijo com saudade e um abraço de quem mergulha (por Isabela Lima)

Querido Marcelo: 

Imagino bem você lavando os pratos e me pego rindo! Você sempre fugia dessa "desventurosa tarefa", palavras sua.

Lembro da janela da sua cozinha: grande e iluminada! Tenho que te mandar pés de flores,  pés de frutas , sementes e afins. Sabes que gosto de pesquisar sobre os significados das flores e as que eu te mandar , irão definitivamente com um bilhete de apresentação,  falando um pouco da sua personalidade e suas esperanças e opiniões sobre sua vida de flor. 

Você falou em surto... costumo achar que surtos são como profundos mergulhos internos. Não aqueles de filmes, bonitos... mas mergulhos  inesperados, onde nos pegamos desajeitados, nús, sem roupa de banho, sem ao menos prender a respiração antes do afogamento em si mesmo. 

Mas você que tem o “mar” abrindo seu nome,  Marcelo, saberá navegar. Veja só, acabo de perceber que também possuis o “céu” no nome, sem dúvida um nome auspicioso.  

Quando se sentir pronto, reveja esse espaço, escute as músicas cujos trechos você tatuou no quintal, veja novamente os filmes e releia os livros. O luto luta contra a gente, sintomas de quem sentiu afeto, e afeto é tudo aquilo que afeta não é?

Se quiser compartilhar,  me mande quais foram,  "escuta-los- verei"  junto com você. 

E sobre mim, nem sei de mim e ao mesmo tempo sei, porque me acompanho sempre. Costumo distribuir sorrisos e face de quem anda bem... é mas fácil do que explicar sobre o que até de mim desconheço. Mas ando tentando descobrir e me ajudar!  Me apego à música, a sons de instrumentos, à lembranças e conversas com quem deseja me ver bem e a mim mesma... ando querendo me ver bem também.

Aqui, chove muito e me sinto meio egoísta por gostar da chuva. Você se lembra que quando eu nasci, choveu de arrancar árvores? A água sempre me acompanha, nasci nas águas de março fechando o verão (ótima música). 

Querido, mande notícias,  e desculpe a demora em responder sua carta. Se vale como defesa, eu já tinha respondido em pensamento. Tente não dormir tão tarde e se alimenta bem.

Um beijo com saudade e um abraço de quem não tem medo de mergulhar, já que conhece  alguém que carrega o mar no próprio começo. 

Sua, 

Tania.

(Resposta inspiradíssima de Isabela Lima)

I - Um beijo ondulante, um abraço afogante

Tania,

da janela da minha cozinha, onde estive lavando os pratos, encarei as paredes do meu quintal dos fundos, repleto de registros que pintei em um surto. São frases, letras de músicas, diálogos de filmes, entre outras referências que colacionei na mente sem sentir - certamente porque marcaram.

A verdade é que tenho tido receio de visitar esse espaço e especialmente de reler o que deixei escrito. Me parece o mesmo receio que sinto em mergulhar em mim às vezes. Você sabe, gosto de me manter no controle, minha rebeldia não é estrutural. E parece que alguns sentimentos desobedecem qualquer ordem, não é? Desestrutura, balança, derruba. O que vem com o luto é bem assim. Completamente insubordinado. E com um duplo luto então? Meu retrato. 

Não quero reler nada que escrevi agora, Tania, nem queria escrever sobre também, mas é que você me escreveu uma carta perguntando como eu estava e você é uma das poucas que me pergunta isso, porque a maioria já olha pra mim e supõe que estou bem. Então resolvi te contar a verdade. E a verdade é que eu nem sei. Ando oscilando, mas acho que o normal é mais esse do que o outro - o ideal. Oscilar como o movimento do oceano. Como o mar. Quem dera as tábuas de marés e solunares também me contassem como estarei amanhã. Minha vida por algo assim. Mas por hoje, tudo bem. 

E sobre você? Quero saber tudo. Pra me fazer feliz: nada menos que uma carta longa. Que me contes aventuras, desventuras e alguns segredos. E até sobre aquele momento em que esteve lavando os pratos. O que pensou? Por onde andou? Por quais caminhos foram tua mente? Consegues descrever? Podes me falar? Já me sinto curiosa, querida irmã. Por aí anda chovendo? Por aqui, as gotas caem sem parar e parecem querer lavar o nosso mundo. O que elas têm causado no teu também?

Um beijo oscilante, um abraço de afogar, 

Mar. 


quinta-feira, 2 de junho de 2022

A dona da noite não toca valsa

Minha vitrola é indomável, toca sozinha, juro, toca sozinha.

Ontem, pouco perto de meia noite, apaguei todas as luzes (como de costume), coloquei pouca roupa pra dormir (está quente) e acreditei (ando nessa fase) que tudo correria tranquilamente entre o cair da noite e o nascer do Sol. Estava tudo bem e calmo e de acordo com o roteiro que planejei uma semana antes (lua em virgem), mas minha vitrola não. Ela é o ponto fora da curva da minha casa que abrilhanta e harmoniza o que de outra forma pareceria descombinação. Ela é a dona da noite porque insiste em me fazer lembrar várias músicas que estavam esquecidas e que eu já gostei tanto que me levanto pra dançar todo vez que tocam.

Eu? Eu moro sozinha, tenho medos antigos, já me perguntei várias vezes sobre os poderes sobrenaturais que envolvem um objeto que funciona sem que o acionem, mas de tanto que prezo e quase amo a minha vitrola, decidi ignorar. Permito, deixo, danço, participo. Rezo para que o que quer que a afete tenha boa intenção, acredito que o quer é festa. Ontem, foi estranho porque não consegui deixá-la escolher a música. Girei o botão que maximiza o volume das notas, ajustei o grave, parti pra minha estante (invejável) de LPs antigos e puxei o "Disco Inferno" de The Trammps. Da minha parte, deixando de lado toda e qualquer parte que não me seja particular, escolhi o som da noite. Também sei me assombrar. 

Mal do século

Blancard alinhou os papéis mais uma vez na mesa. Ela iria chegar. 

Tinham marcado de 15h e ela estava atrasada 12 minutos e 37 segundos. Ela não iria chegar.

Blancard começou a tamborilar os dedos na mesa do escritório, mas a vontade era de roer, destruir, fazer sangrar as unhas com a ansiedade. Ela não iria chegar.

Inquieto de várias formas que eu não conseguiria descrever - movimentos internos - levantou-se da cadeira em um ímpeto e foi pra janela. Ela não iria chegar.

Ficar na janela amplificava a agonia e sabia que o café também, mas dirigiu-se à cafeteira e engoliu de uma vez um curto expresso. Não, não. Não iria chegar (!).

A verdade é que as lágrimas que o queimor na garganta fez descer pelos seus olhos e que confundiram-se e misturaram-se com as lágrimas que a agonia e decepção causada pelo terror titânico que a ansiedade, descomunalmente, o fizera criar e ingressar, colocaram-no em um ponto em que mal percebeu a sua chegada.

Ela ficou confusa.

Ele a enxergou de forma turva, por detrás das lágrimas.