segunda-feira, 21 de agosto de 2023

A saia inusável (editar)

Roupas são apenas roupas, ou não o são, depende.

Algumas, de fato, servem apenas como vestimenta, invólucro, indumentária social. 

Outras, determinam classe, posições, estilos, atitudes, temporalidade. 

Mas esse texto não é sobre roupas em específico, apesar das aparências.

É sobre saudade. 

Da saudade que reside numa saia que nunca foi usada. Dobrada, cuidadosamente, junto com outras saias que tiro e coloco no corpo sem pensar, essa saia, branca e linda, adornada com flores azuis e rosas, que me veste perfeitamente e que sempre coube em mim, guarda tanta coisa nela que me trouxe até esse texto. 

Sobre uma saia inusável. 

Poderia aqui descrever algumas emoções que sinto ao tocar nela, ao simplesmente vê-la quando abro a porta do guarda-roupa, poderia exprimir - tentar exprimir - metade dos sentimentos, mas há algo que eu não alcançarei nunca nessa explicação se não começar pela história de como foi parar nas minhas mãos.

Era uma noite de natal de uma família grande e unida. Juntos, todos trocavam os presentes de amigo secreto. Eu recebi o meu - a saia - das mãos do meu primo. No último natal em que passamos juntos porque em fevereiro do ano seguinte ele partia prematuramente desse mundo com 18 anos. 

É possível entender como um objeto representa dor, amor e saudade ao mesmo tempo depois do que foi contado? É possível entender o fato de ser precioso e único e eternamente adorado por mim, no entanto inusável? 

É possível que coisas materiais, apesar de serem apenas conglomerados de partículas sem vida, revivam pessoas, sorrisos, histórias vividas e histórias dolorosamente interrompidas na linha do tempo a um simples relance do olhar?

Eu conto os sorrisos e momentos que compartilhei com meu primo ao visualizar a saia. 

E lamento os sorrisos e momentos que não compartilhamos ao vê-la também.

Roupas não são apenas roupas.

Vestimentas, invólucros, indumentárias sociais. 

Não nesse texto. 

sexta-feira, 4 de agosto de 2023

A matéria e o sonho

E eu teria sonhos se me cortassem as conquistas?

Sendo como sou, diria que não.

Mas há algo no âmago, nesse aperto no fundo do peito, nesse gelado de agora na barriga, na profusão de coisas circulando pelo corpo até a ponta dos dedos que até me permitiria pensar o contrário, tendo em vista o matutino questionamento. 

É que é preciso regar o jardim pra ver as flores nascendo.

É preciso ser terra pra se permitir ser jardim.

É preciso esperança para irrigar desejos. 

É preciso sabedoria pra diferir anseios de devaneios.

E é preciso conquistar para saber o que esperar.

Mas nao é preciso coerência e lógica na elaboração de certas respostas. 

Nem precisa respostas.

O fascinante no tudo é continuar perguntando. 


“Uma pessoa pode começar a remodelar a paisagem com apenas uma flor, capitão”.

Plante.