quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Tenha calma com tudo, menos com a cerveja no calor de Recife

Tenha calma, embora o verão tenha começado com chuva e trovão.

Tenha calma, há sempre de existir um lugar pra se proteger das tempestades.

Tenha calma com a proximidade das festas. E as ausências que serão choradas e sentidas quando brindarmos a elas.

Tenha calma com o licor, porque em sua doçura encontra-se um torpor inesperado.

E com o vinho não tenha calma. Com a cerveja no calor de Recife também não.

Tenha calma, tenha pausa. Respira pra continuar.

Tenha calma quando ouvires as risadas das crianças. Permite que revigorem energias esquecidas. Motivos pra sorrir tão simples que são assim, infantis.

Tenha calma quando abraçares do mais velho ao mais novo da família. Tenha calma no abraço. Em qualquer abraço. Memoriza, leva, carrega ele. Tatua. 

Tenha calma com a contagem pro final de ano, lembrando que ainda temos tempo pra ser feliz nesse.

Que felicidade se deseja, mas não se programa. Não tenha calma pra ser feliz. Não deixa pra amanhã.

Tenha calma com você, com o "auto-sentimento". Com as cobranças, as percepções rasas, as condições. Seja paciente com os próprios passos. Tenha calma pra percorrer e sentir cada parte do próprio caminho, pra enxergar as pequenas belezas que se escondem nele e permitir-se crescer durante e depois dos obstáculos.

Mas, repito: não tenha calma com a cerveja no calor de Recife. E nem com o vinho em qualquer estado ou tempo. Ou pra se permitir feliz. Nisso não tenha calma.

Renascentista

Como pintora era boa, mas não excelente.

Tinha mais vontade e amor pela arte do que habilidade.
Sabia - no entanto - que combinava bem as cores e percebia onde encaixá-las exatamente na tela. Era colorista. 

Fazia tempo que deixara uma obra inacabada. Falar "obra" é ser generoso e falar "trabalho" não cabe, é arte, então, digamos que seja um quadro. Um quadro inacabado. 

Nas primeiras pinceladas, o quadro já foi além do que esperava. As cores, os desenhos, as ideias que prometia na tela, os espaços preenchidos com expertise, a execução meticulosa, a beleza, a intensidade, a sinceridade, as formas. Tudo maior e melhor, muito além de sua executora. 

Era um quadro tão lindo e admirável que não conseguia visualizá-lo no meio de todas as outras obras já finalizadas.
 
Seu precioso pretenso perfeito abandonado quadro. Inacabado.

Controlled

Dessa vez, teve tempo. Na verdade, bastante. Entre o longo jantar e o passeio de volta, descobriram que a conversa fluía tão bem quanto o sexo. 

A decisão de caminhar em vez de pedir um transporte pareceu irrazoável, mas permitiu uma ótima visão da lua. Sentiu o vento nos cabelos e arrepios no corpo, jogaram risadas na atmosfera, trocaram passos, momentos, segredos, sentimentos.

Embora houvesse, dessa vez, programado a noite, planejado horário e ensaiado limites, sentia-se outra vez desconcertada, já que a sensação de controle sempre serviu-lhe bem, mas o contrário um fiasco. 

Mesmo assim, deixou. Permitiu que tudo caminhasse para um grande e arrebatador fiasco. 

Importuno e inevitável. 

Ravishing

A verdade é que não teve tempo de pensar. Quando, silenciosamente, concordaram em sair dali, foi tudo tão rápido que iniciar e terminar qualquer pensamento foi também, obviamente, impossível. 

Sim, deixou-se levar. Mãos nas coxas, leves puxões nos cabelos, olhares, desejo, beijos com um sutil sabor de álcool, …

Historicamente, seus enlaces eram suaves e programados. Tudo dentro do roteiro, da consciência, caminhando para um destino conhecido.

Naquele momento, no entanto, o que quer que houvesse programado para noite não deveria ser intenso. Menos ainda imoderado. Arrebatador.

Há pouca vantagem em se sentir arrebatado.