segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

A quem importa saber que peças de ouro não são magnéticas?

Recentemente, fui presenteada com uma jóia e nunca questionei a autenticidade dela. Para mim, a forma como foi parar nos meus dedos (é um anel solitário) e a simbologia quando olho pra ela vale muito mais do que me digam que vale. 

No entanto, em uma roda, recentemente, vi inúmeros olhares de admiração pro objeto. 

Eu o uso, habitualmente, como uma lembrança de quem recebi. Venho carregando comigo, junto com a aliança e mais dois anéis valiosos que nem penso em saber o preço. O valor deles está diretamente ligado ao fato de terem sido presentes de pessoas que amo, não a cifras e tabelas. Nunca me perguntei se eram jóias porque nunca achei que não eram.  Uso quatro jóias no dedo, mesmo que nenhuma delas seja jóia. 

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

O taurino

Entre tantos estigmas, os taurinos carregam com eles o status de serem lentos e inflexíveis.

Só que ninguém entende que o que faz o taurino demorar a tomar uma decisão é a lealdade que deverão a ela. Sim, abraçarão com tudo o que lhe pertence o que a envolve. Fácil ou difícil? Não importa. O taurino não analisa isso. Não tem medo, pudor ou vergonha de enfrentar o difícil. Encara o todo. O todo. O taurino vai. É quando caminha. Quando tem certeza.  

Há nos taurinos essa coisa de serem terrenos e extremamente sensoriais. Paladar, olfato, tato, visão, audição, tudo ligado ao momento. Ao que existe. Ao tangível. O taurino está. É presente. O taurino abraça o presente. Ele enxerga as coisas que estão acontecendo com um pouquinho de intensidade, sabe? É quase bobo. Um pássaro no jardim, uma folha diferente, a joaninha que pousou na sua mão, o suor escorrendo nas costas de um dia gostoso de Sol na praia, cada gole da bebida, esse timbre que o cantor ousou, a melodia que dá son(h)o, o toque de carinho, o aperto de paixão, os bons abraços. O abraço é corpo todo com corpo todo. É acolher um corpo. Pra um taurino é especial. Seus abraços, os que gosta de dá, são verdadeiros. Ele realmente está ali abraçando e sendo abraçado. Não é aperto, quem o conhece sabe que não. É apenas... de verdade.

Dificilmente um taurino olha pro passado. Na mente dele, tão presente, tão leal com o momento, tão comprometida com o que vive, não faz muito sentido. O taurino, no entanto, reconhece que é formado da matéria de tudo o que já viveu. Do que viu, comeu, bebeu, engoliu, cheirou, tocou, sentiu. O taurino é formado pelas partículas de moléculas de onde verdadeiramente pisou coexistindo com as partículas de moléculas onde verdadeiramente pisa. E o taurino pisa de verdade. E está. E ele até publica alguns textos. Nos intervalos do agora. 

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

O livro de poesia

"Um arco-íris numa noite escura". As palavras eram de Saramago, em um livrinho pequeno, de poesia, pouco popular, depositadas quase no final. 

Me entregou como um presente, junto com a frase "lembrei de você. lembrar de mim é lembrar de você”. 

Eu não me sentia nada, mas aparentemente, as cores que percebia em mim, refletiam um colorido que fui aprendendo a enxergar com o tempo, embora vez ou outra bambeasse em contrastes. 

Pragmático, ele não gostava tanto e não era um entendedor profundo de poesia. Me contou que sempre teve dificuldade em compreender aquele soneto famoso de Camões sobre o amor, enquanto eu o sabia milimetricamente decorado. O importante nunca se tratou do significado do livro de Saramago ou do que dizia Camões, mas o gesto. Havia me enxergado em um livro de poesia, descoberto minhas cores e, continuamente, me chamava atenção pra elas.

Era como se dissesse que eu era linda de várias formas e, mais do que isso, me fizesse sentir assim.


"...e toda a gente saiu das cidades para ver as sete cores sobre o fundo negríssimo do céu". (O ano de 1993, José Saramago).


quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

É noite noir.

"Quase sempre nos meus sonhos, eu me vejo assassinado".

Não é problema, calma. Dentro do meu próprio sonho fico satisfeito por estar sonhando um thriller

Retiro o casaco - que não serve pra nada quando se vive nos trópicos e, com ums mistura de costume e deferência que sempre guardo pra esses momentos, me aproximo da cena onde, também, sou o personagem principal. 

Olhando pra mim mesmo, de perto, vejo que meus olhos fechados me caem um pouquinho melhor do que abertos e que, a despeito do buraco no corpo por onde o sangue continua jorrando (talvez quem me assassinou ainda esteja por perto), sinto uma tranquilidade contraditória enquanto questiono o meu ensandecido autocontrole, minha consciência me pedindo pra gritar e chorar, porque obviamente é o que deveria estar sendo feito. De costume, não faço o que deveria estar sendo feito. 

Viro as costas pro meu corpo morto e me aproximo da janela, onde todo o meu pensamento se direciona pra chuva fina que acabou de começar e que não dá indícios algum de término ou mudança de tempo. Ou de temporal. A chuva dos meus sonhos. 

Assim, continua. Lavando a rua, a noite, trazendo a falsa impressão de diminuição no calor, fazendo com que os pessimistas procurem abrigo, enquanto os otimistas, longe disso, continuam circulando, achando que logo vai passar. Meio vivo, meio morto, nem um e nem outro, nunca penso no que vai acontecer a seguir. Continuo observando os pingos que batem na janela, as pequenas poças que se formam no chão das ruas, o esvaziamento do tráfego de pessoas (pessimistas? existencialistas?), satisfeito por ter trazido o chapéu e vestido o casaco. Me ajudarão a enfrentar o tempo.


O nome da minha filha é Eva e recentemente, quase agora, ela criou uma amiga imaginária. 

Supersticiosa que sou, começo a fazer algumas perguntas, atrapalhando a brincadeira entre as duas que parece bem divertida. O nome da invisível é Tina, ela tem uma altura que vai do chão até o teto e o corpo todo vermelho porque "algumas pessoas podem ter o corpo todo vermelho", segundo Eva. Pergunto se a amiguinha é criança ou adulta e me surpreendo quando ela me responde que é "grande" e começo a filosofar sobre o significado da palavra.

Pessoas pequenas podem ser grandes e o contrário também vale. Vai além da altura ou faixa etária. Então, Tina, a grande invisível, que nesse momento está conversando com minha filha, me parece maior, eis que surgiu tão de repente na minha casa que não tive tempo de me preparar para recebê-la.

Na minha mente, ela cresce assim: será alguma falta minha? Será que não estou dando atenção suficiente? Será que estou trabalhando muito? Será que ela sente falta de um irmão? Será que deveria ter levado ela pro parque? Será que ela tem assistido muita televisão? Será...

Embora minha filha esteja sorrindo e se divertindo com o universo que criou, como mãe, passo a me questionar como sempre. Há nas mães esse dever de enxergar até por detrás do sorriso, uma preocupação intensa que ele seja intenso e verdadeiro e uma responsabilidade constante de preencher qualquer ausência ou falta do filho. 

Ah, Tina, eu queria ser a melhor amiga da minha filha, mas sei que não. Sempre vai existir um espaço em que os instintos inerentes à maternidade, me impedirão o estado de relaxamento necessário e adequado em que se conquista um melhor amigo. E que os da minha filha, visíveis e invisíveis, sejam os melhores. Há nas mães, também, esse costume constante de torcer.

sábado, 7 de janeiro de 2023

In vino veritas

A impaciência funciona com a paixão na mesma medida que não funciona com o amor.

Sim, a paixão remete ao corpo, à matéria, é portanto, natural entender e imaginar o perecimento, o inevitável falecimento e assim, urgente, querer viver tudo o que lhe for possível com bastante impaciência.

O amor, por outro lado, é um sobrevivente teimoso. Um representante ferrenho da incorporeidade, existente a despeito dos despeitos, viajante do tempo que é, apresenta-se independente de como, quando, onde e forma. Nem pergunta. Permanece. Subsiste. Encara. Acompanha. Perdura

É preciso paciência para amar. Paciência com a permanência.