sexta-feira, 24 de março de 2023

“Felizes os cães, que pelo faro descobrem os amigos”

Era um cãozinho machucado.

Ninguém conseguiria notar caso não se aproximasse bastante dele.

Parecia estar sereno, dormindo, deitado sob o Sol.

Apenas um segundo olhar denunciava que de cada olhinho fechado, escorria uma lágrima.

Apenas uma revista maior, próxima, poderia verificar que as duas patinhas encostadas no chão estavam feridas.

O cachorrinho lindo sentia, silente, sua dor.

Ela, sem experiência nenhuma com animais, mas com muito jeito, aproximou-se.

Chamou pelo celular quem tinha jeito, experiência e número de veterinários.

Encostou uma mão amorosa na cabecinha do cão.

Juntos, aguardaram. 

-Vai ficar tudo bem, pequenino. Tudo bem.


quarta-feira, 22 de março de 2023

Diálogo com Sandman ou discussão continuada com o Rei do Sonhar

- Você sempre soube do perigo que envolvia a obra, então por que, exatamente, continuou a empreitá-la?

Ele não respondeu. Claro. Sandman, Rei dos sonhos, levantou os olhos pra mim e sem palavras me notificou o óbvio. Estava na sua própria essência, sua razão de existir.

- Você continua visitando o meu reino e ainda assim não compreendeu?

-Não compreendo o que não faz sentido.

- Então acho que está na hora de parar de visitar o Sonhar, não acha?

-Sim, claro, mas depositei algumas histórias nas estantes. Devo pegá-las com Lucien?

- Se abandonar o Sonhar, deve abandonar também todas as histórias que depositou nele.

- São minhas, eu as criei. É justo tomá-las de volta.

- E o que você faria com as histórias que sonhou em um mundo sem sonhos?

- Serão como contos, fantasias. Morarão no meu criado-mudo. Posso olhar pra elas antes de dormir.

- Você dormirá com seus sonhos de lado e acha que isso a impedirá de sonhar com eles?

 - Não são mais meus sonhos. São apenas histórias.

- E o que a impede de abandoná-las então?

- Eu...

- Você quer carregar parte do meu mundo com você, mesmo negando a importância dele. Como soberano de tudo que está aqui, devo continuar minha missão.

- Mas..

- Espere! Ainda não terminei. Vá agora e não volte. Mas dos seus sonhos eu cuidarei. De cada sonho abandonado. É o que faço.

Ela sabia que ele falava a verdade. Era Sandman e no que competia a qualquer tipo de sonho, inclusive os abandonados, ele tinha um conhecimento muito maior do que ela. Virou as costas desolada. Pé ante pé, iniciou sua partida do Sonhar. Era tão decisivo quanto difícil dizer adeus.

( ) Primeiro Final (optativo, universal):

- Humana, espere.

Olhou pra figura Perpétua e grandiosa que dava sentindo àquele mundo e quase tanto ao seu também e se surpreendeu com o que parecia quase um sorriso no rosto (?) dele. 

- Continuarão na estante se decidir voltar.

- Vai cuidar bem deles?

- Humana, sonhos não são feito de carne e osso, são ideias solidificadas, por isso o que você entende como ameaça e destruição não os destruirão. "Ideias são à prova de balas".

-Quer dizer que não morrerão?

- Quer dizer que como Morpheus vou continuar guardando cada sonho abandonado e que mesmo que os seus não a alimente e sirva mais, estarão na minha estante para servir e alimentar os sonhos de outras pessoas que deles precisarem. Durarão mais que a sua própria existência. Percorrerão as estradas do tempo quando não estiveres mais aqui e assim como outros sonhos que estão nessas estantes, impulsionarão as criações fantásticas e absurdas do seu mundo. Até o fim.

- O mundo é feito de sonhos abandonados é o que diz Rei do sonhar.

- O mundo é feito por histórias que já foram sonhos. E os mais difíceis são os mais fáceis de abandonar.

-Então até os difíceis...

- Até os impossíveis. Vá.

Me tranquilizou, Sandman.


( ) Segundo Final (Optativo, simples e íntimo):

- Humana, espere.

Olhou pra figura Perpétua e grandiosa que dava sentindo àquele mundo e quase tanto ao seu também e se surpreendeu com o que parecia quase um sorriso no rosto (?) dele. 

- Continuarão na estante se decidir voltar.

- Vai cuidar bem deles?

- É tudo o que faço. É quem eu sou.


(Em vez de licença, peço perdão poético à Neil Gaiman e Alan Moore por tudo que emprestei nesse texto. Inclusive por ter escrito dois finais. É muito difícil escolher como um sonho deve terminar).

sexta-feira, 17 de março de 2023

Indomável

"Escrever é que é o verdadeiro prazer; ser lido é um prazer superficial".

Das palavras de Virginia Woolf, compreendeu o porquê de continuar adiando o momento de apertar a tecla de "enviar" o livro para o editor. 

Há algo de vital e precioso que pretende preservar no que entende por escrita. Há algo que, falando se si, funciona apenas no processo de produção que começa da primeira letra ao último ponto. Algo que a reprodução nunca vai conseguir transmitir exatamente. Algo tão extremamente conectado à ela que não funcionaria para ninguém mais.  

Ela sentir-se-ia presa se, por um momento, passasse a ser interpretada. Não fazia sentido. Ninguém, de fato,  realmente entenderia  as emoções que, intimamente, foram tocadas quando passou a exprimi-las em um texto. Nunca escreveu qualquer coisa que fosse pra comunicar ou transmitir. Deixava isso pras cartas. Pros grandes comunicadores. Para todos os maravilhosos escritores que dominam a arte de escrever para fora. Para quem deve e precisa ser lido. Para você, escritor/a, que escreve e consegue tocar os outros com as palavras. Pros grandes e eternos textos cheio de significados. Para Virginia Woolf, que também precisava vitalmente das palavras, mas tinha o domínio absoluto de transmitir profundidade com elas. Para aqueles que marcam e merecem serem citados, ecoados, replicados, lembrados, comentados, debatidos, respondidos.  

Ela não tinha esse domínio e até preferia continuar escrevendo dessa forma, indomável. Não queria que lhe cortassem as vírgulas, por mais mal empregadas que as tivesse utilizando. Não queria alcançar. Não queria ser alcançada. 


domingo, 12 de março de 2023

Nos porta-retratos que colei na parede, sorrisos estáticos me trazem reflexões.

Mais que elas, me trazem os momentos, os exatos momentos em que o flash eternizou felicidade. 

Numa delas, uma reunião impossível de existir outra vez me deixa, por um momento, triste.

Em outra, alegria e vontade de reviver.

Ali, um beijo de amor de quem escolheu estar perto pra sempre.

Nos porta-retratos, registro e vejo o tempo passando para todos e a mudança inevitável que chega com ele.

Ali, uma adição de amor, um bebê iniciando a vida, iniciando os pais em uma nova vida, iniciando um ciclo que agora já parece antigo. 

Nos porta-retratos tempos de amor e nas minhas paredes espaço pra mais.

Pra mais.  

Pra mais.