terça-feira, 18 de abril de 2023

Excelsior

Tuas marcas de sorriso no rosto e o timbre da tua voz quando fala o meu nome. 

Detalhes, pequenos detalhes, coisas preciosas, coisas inestimáveis.

Talvez sejam neles que resida o amor. No que singulariza.

As coisas inerentes, as coisas caras, raras, próprias, ímpares. Sui generis.

Únicas, tão únicas que quase solitárias na sua especialidade.

O que faz de você, Você.

O que me faz te achar na multidão.

O que te faz me achar na multidão.

O que me faz te adorar dia após dia.

A forma contínua de sorrir comigo, de mim e para mim.

Os detalhes, o cheiro, o sentimento com a tua chegada.

A forma como encaixa a minha mão na tua mão.

...



sábado, 15 de abril de 2023

Tinha no seu corpo marcas de pequenos acidentes com a própria saúde. Imperceptíveis aos olhos, mas não ao coração.

No coração, ela sabia o que aquelas marcas representavam. Mas dessa vez, nesse texto, o foco não será a dor, mas a cura. É preciso lembrá-la sempre que venceu. 

Há uma insistência recorrente de olhar pro que passou com pena e pesar. O que talvez seja inerente à sua própria natureza. Mas vamos lá, vamos ao sucesso. Vamos ao momento em que superou. Vamos às novas oportunidades, aos recomeços, às chances que teve, que tem. 

Vamos recordá-la que ter passado por algunas intempéries e sobrevivido, não faz dela uma penitente. “Tá mais pra coisa de vencedor”. E que ela não é fragil, já se provou que não quebra. E o que mais? 

 - É que é difícil se ver forte e com sorte, às vezes. 

- Entendo perfeitamente, mas é necessário. Aprende. 

quinta-feira, 13 de abril de 2023

Um diálogo leve, mas pagão

 -Há coisas maiores.

Me disse, enquanto depositava a maldita chave do inferno na minha mão. Apenas uma simples alusão ao local e um toque no objeto que pertencia à ele, fazia minha alma inteira arder.

- Eu não entendo qual função exatamente espera que eu exerça lá - falei por entre dentes, mal conseguindo disfarçar meu desconforto pra deus.

- Sempre achei que não precisaria explicar como funciona um cérebro pra uma criação que concedi um.

- Pelo visto não sou o anjo mais esperto daqui, deus. Por que não escolhe outro?

- Ah, sinto prazer de vê-lo me questionando. É tudo que espero do livre-arbítrio. Mas nem por isso preciso explicar minhas razões.

- E como conhece suas criações, sabe bem que eu não aceitaria uma imposição sem questioná-la.

- E como conheço minhas criações, escolhi você, Gabriel. Encerramos essa parte, não?

- Nunca achei de verdade que me escutaria.

- E mesmo assim não deixou de tentar e é por isso, Gabriel.

deus fez um gesto me chamando para ler o Livro dos Livros e abriu a página do inferno. O barulho ensurdecedor de inúmeras almas em desespero ecoou pelo ambiente. Se ele não fosse deus e eu não fosse um anjo dele, seria um golpe fatal pros nossos ouvidos e nosso espírito. Mas seres humanos que se abalam com gritos de dor.

- Eles precisam, Gabriel. Precisam de alguém que não desista. Nunca parou pra escutar os pedidos de milagre que vem do inferno, meu filho? De todos que recebo são os mais urgentes e desesperados. Nunca prestou atenção a eles?

- Até poucos minutos atrás não era função dos anjos cuidarem do inferno, deus.

-Mas é onde precisa-se mais urgente deles, meu filho e você será o primeiro de muitos que deverão habitar lá.

- Você me manda pro inferno, deus, pra abrandar desesperos, sem pensar que estarei também em desespero por isso. Arderei todo dia como se queimado no próprio sol, derreterão minhas asas, andarei entre os piores espíritos com poucos poderes ou nenhum, sabendo que nunca tive escolha, mesmo que me diga que sim.

- Mas Gabriel, o principal alimento e fonte de poder dos anjos... de onde vem?

...

- Você sabe que anjos são feitos, alimentados e aperfeiçoados com matéria de esperança. "E o que seria do inferno se todos ali não sonhassem com o céu"? Você viverá mais forte, meu filho. E mais forte ajudará outros a viver.

A chave continuava pesando, ardendo e queimando profundamente, mas entendi. Resolvi fechá-la na mão. 


quinta-feira, 6 de abril de 2023

Querida Justiça, (editar)

Temos algumas coisas para conversar.

Demandas, questões, esclarecimentos.

Passei ontem por você, carregada de documentos para protocolar. Casos novos, casos velhos, pastas, catálogos, tudo que estava na minha mesa e até alguns dos arquivados.

Cega, você não me viu. 

Tudo o que eu queria era legitimar as minhas peças, saber o peso que tinham na tua balança. Nela deposito tanta esperança… tudo que me pleiteiam, que eu vasculho até encontrar uma saída, uma solução. No direito esse é um tipo de pensamento sagaz e necessário, mas inocente ao ponto de ignorar as variáveis que não deveriam interferir no teu julgamento. 

Na verdade, figurativamente, você representa o julgador. E o julgador traz com ele as próprias váriaveis e o poder do martelo.

E quando, na história, poder, necessariamente, faz um homem justo?

Querida, Justiça, estou exagerando.

Já me deparei com bons julgadores e sei que perder faz parte do mundo da advocacia. Do mundo, aliás.

O gosto da derrota deve ser palatável, mesmo que difícil de digerir. É necessário para virar a página e correr com a mesma energia atrás do recurso. É necessário conhecer a derrota para valorizar ainda mais a vitória. E tudo o que vem com ela. É o que faz do advogado um batalhador. É o que reforça nosso arcabouço de luta. 

Querida, temos muitas pautas pra discutir. E outras em formação, pela frente. 

Tenho colhido muita felicidade na nossa relação, crescimento. Estou, certamente, na fase em que experimento frutos bons da tua árvore. Recolho, cheiro, devolvo a quem é de direito. Sigo. Quero aproveitar, mas não me iludo, querida. Não me iludo achando que todos os sabores serão doces. Nada na vida é invariavelmente assim. 

Que no nosso caminho, intrínseco e inevitalmente conectado, possamos continuar esse diálogo que nem sempre é bom, mas  que a tua existência me dá a possibilidade de trazer à tona. De colocar na mesa. De lutar por ele. 

Você é um símbolo, querida. Um depósito de esperança que eu preciso acreditar. 

E se não fizer sentido, o que faz? 

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Chaos uma vez ao mês

Talvez e às vezes eu não me sinta bem.

Pode ser fisiológico, hormonal, sentimental ou patológico.

Tento esconder, disfarço, maqueio bem.

Mas talvez e às vezes, eu não me sinta bem.

A vontade de estar inteira em tudo, com todos é sempre maior e supera. Me supera.

Mas talvez e às vezes eu precise de um espaço onde não estar bem seja tão natural quanto estar bem também.

Talvez e às vezes eu precise não estar bem pra poder estar bem.

Um tempo pra permissões, permissões maculadas.

E tudo bem.

Talvez e às vezes eu precise deixar uma página inteira riscada, só com traços, sem rimas nas palavras. Rabiscada. Caótica. Desconexa. Digna de erratas. 

Ou lotada de coisas impróprias.

Talvez e às vezes.

Só talvez. 


segunda-feira, 3 de abril de 2023

Herdou a chave do inferno e despiu suas longas asas brancas antes de passar pela porta.

Não recebera instruções sobre o que fazer a seguir.

Disseram apenas que de todos os locais era o que mais precisava de milagres.

E era por isso que estava ali.