quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Alabama, Mississipi, Louisiana e Geórgia

(Tenta ler como se fosse um Blues de doze compassos, parece funcionar melhor assim).

Cheirou a rosa do jardim no momento em que pareceu que o perfume estava mais forte. Colocou no cabelo em um impulso. Sempre fazia assim. 

Ouviu o blues de fundo e não pôde evitar o balanço que sempre dominava o corpo logo nas primeiras notas. Blues era a “alma” dela.

O ritmo era triste, sexy e envolvente. Invadia e embalava momentos pra não esquecer. Era perfeito pra não pensar em nada. Era alguém cantando as dores que também sentia. Fazia o dia esperar pela noite e na noite acender velas quentes. Era puro sentimento e envolvimento. Era não precisa falar. Era sentir. Sem explicar.

Descalça, na grama, cinco e quarenta e cinco da tarde, dançando e esperando a noite chegar. 

Observando de soslaio as mudas que começavam a brotar e onde faltava água para as plantas crescerem ou sobreviverem mais fortes.

Jogando os cabelos para um lado, para o outro, abrindo os olhos e vendo as primeiras estrelas da noite surgirem tímidas. Enquanto a lua que já apareceu em algum lugar esperava pra sair pra ela.

Descalça, na grama, seis horas da tarde. Apaixonada por tanta coisa e desapaixonada por tantas mais. Sentindo amor pelo momento, pelo amor de todos os momentos, por cheiros familiares e cheiros levados pelo vento.

Descalça, na grama, vestido balançando com os movimentos do corpo, com o vento, arrepios de frio e de sentimentos, mente vazia, coração cheio, vendo a lua, repentinamente, despontando como um globo e cintilando tudo.

O céu estrelando-se cada vez mais e a noite caindo, caindo, seis e vinte, já podemos chamar de noite? 

Descalça, na grama, sete horas, felicidade infeliz, alguém entende? O Blues. Já está dançando há horas, nada nunca a dominou tanto tempo. Sente que deve parar. Não para. Sete e vinte, oito, oito e meia, tanta coisa pra fazer, tanto mundo pra dominar e pra dominá-la. Nove horas, já? Não deixa. Deixa que te vejam, até convida (venham pro Blues), mas não deixa. Não deixa que te façam parar de dançar. Não deixa. 

(Descaradamente inspirado em um carnaval com Blues)

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Sobre os encontros de carnaval

Não é possível matar a saudade em um dia, mas é possível matar um dia de saudade. 

sábado, 11 de fevereiro de 2023

Nova missão : ludicizar monstros. 

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

O monstro comilão

Há um monstro no jardim, comedor de flores, folhas, plantas, do alface ao jasmim.

Há um monstro e eu sou detetive. Coloco o boné e pego a lupa: procuro os rastros, comeram as uvas!

Há um monstro no jardim e eu nunca vi, mas vejo o estrago que deixa, que triste, sumiram as ameixas!

Ah, que monstro comilão, deve ter um barrigão, onde cabe um melão, inteirinho, até com sementes e nossa, imagina os seus dentes!

Esse monstro mora aqui ou fugiu para ali? Pode ser invisível, uau, que dom incrível!

Come come sem parar, nunca deixa para mim e puxa! Cadê o tomate que estava aqui?

Papai diz que é formiga, mamãe diz que é  passarinho, vovô diz que é lagarta e a vovó que é barata. 

Eu não digo é nada, mas vou descobrir, já sei que esse monstro tem que aprender a dividir. 

Vamos fazer um piquenique, com o que a gente recolher, olha o morango madurinho, que delícia que vai ser!


(segunda “poesia” infantil) 


Dragão João


O nome do meu dragão é João.
Ele é verde e vive na minha imaginação.

De vez em quando o João fica colorido, nunca o limito.
Permito que seja infinito.

O meu dragão mora num arco-íris, mas já voou pra Lua.
Tem amiga estrela pra visitar, com quem gosta de tomar chá.

O meu dragão tem fama de brabo e de feroz.
Dizem que solta fogo pelo nariz e morde até gente feliz.

Mas assim como o jacaré, que descobri não ter chulé,
E assim como a pavoa que nem gosta de comer broa, 
Ou ainda como o coelho que nunca foge do espelho, 
o meu dragão eu imagino e assim rimo:
o que ele morde é biscoito, assadinhos com seu fogo
e para mim não tem perigo
o meu dragão é meu amigo. 

(tentativa de poesia infantil)

Meus textos sobre filhos são puramente sentimentais e, muito provavelmente, sem lógica.

Provavelmente, se você sabe o que é ter um filho doente, você já se pegou querendo ser médico, saber fazer ausculta, operar uma máquina de raio x e ter um laboratório enorme que te diga que tudo vai ficar bem e logo. 

Você provavelmente se deparou com os questionamentos sobre o uso de antibióticos, já se pegou querendo ver seu filho todinho por dentro, já quis ser ser a própria medicina, a penicilina, o remédio certo, um Deus.

Ou não.

Talvez seja mesmo coisa minha. A impotência de entregar a saúde do meu bem mais precioso nas mãos de outras pessoas, quando sinto que o conheço mais do que ninguém, é, para mim, assustadora, angustiante e, às vezes, dolorosa.

O fato é que, provavelmente, você moveria qualquer peça do mundo pelo seu filho. Mais uma vez, estou sendo pessoal, já que eu, certamente, moveria pela minha. Qualquer coisa necessária pra afastar o que não faz bem pra ela. Essa, de fato, é a minha vontade. Embora saiba - o mundo demonstra - que tem coisas que não estão ao meu alcance e que - mesmo querendo - não vou protegê-la de tudo. E assim é o mundo. Não vou protegê-la de tudo. Não está ao meu alcance. Não está nas minhas mãos. 

E é onde mora o problema. Aprender a lidar com isso. Com a impotência. Não poder fazer nada, quando tudo que você quer fazer é tudo.

Reconheço, de fato, que pouca coisa está nas minhas mãos. Começa com nutrir e cuidar. Com o que posso. É uma verdade dura, mais até o nutrir e o cuidar, um dia, não estarão ao meu alcance. E eu sei que mesmo sendo natural como ter mãos, terei que aprender a lidar com isso. Os nossos filhos não são nossos. Ninguém possui ninguém. Desde que a minha nasceu, contabilizo os custos do intercâmbio. Sei que separar de mim um dia vai ser essencial para ela ser ela.

E eu? 

Bem, só posso dizer o que sinto por enquanto. 

Filhos são tesouros. Pequenos pedaços refletores das coisas que você considera mais bonitas no mundo, no universo, no que tem dentro e fora, real ou fantasia, qualquer tempo, qualquer espaço. São também, por vezes, noites e noites em claro de angústia e de alguns sentimentos que talvez você entenda, talvez nem precise explicar, talvez nem tenha explicação. Filhos são a tapa na cara do egoísmo, o amor mais profundo pelo outro, a lição mais absoluta do que precisamos evoluir na gente e não apenas por a gente. Pelo outro também. É receber o que te desequilibra como ser, da mesma forma que te equilibra a ser. Claro que existem outros caminhos, mas  estou falando de mim, esse texto é meu e em mim é sempre essa vontade de estar inteira, mesmo quando nem sequer me sinto "meia". 

Às vezes tudo o que resta é esperar e confiar e você sabe disso e que no fundo tudo vai ficar bem. Mas aí você se adianta, é instintivo, é irracional: faz esse pacto com as forças do mundo pra acelerar um pouquinho o tempo pro tempo em que eles estejam e fiquem completamente bem. Então senta, espera, torce com âmago e aproveita pra pedir proteção e respira. 

Pelo menos suponho que sim.

Sigo aprendendo.