sábado, 30 de outubro de 2021

13 filhos

(Inspirada - infelizmente - em fatos reais)


A mãe arrastava a roupa preta pela casa. Era 1958.

Seus doze filhos não conseguiam dormir. Espantados, colavam ouvidos na porta dos quartos coletivos que dormiam, conspirando, com troca de olhares, as possibilidades pra um dia melhor amanhã. 


No fundo, quase colado à garagem, um jovem alto e esguio, tentava, ocultamente, sintonizar seu rádio. Em todo o país, gritos de comemoração pela seleção que ganhara a primeira copa. Menos ali. Todo e qualquer grito e suspiro e vontade de felicidade estavam calados ali. Velados. Proibidos. 


O jovem, inteligente e astuto, tentava burlar de alguma forma a nova lei que se instalara, buscando, insistente, alegria nas ondas de rádio. Ou menos tristeza. Não sei por quanto tempo insistiu e nem se conseguiu, porque em um quarto menor, duas crianças bem pequenas quase choravam. O menor, um menino, havia desaprendido a expressar suas emoções com palavras. Calara-se e na sua mudez existia o protesto de quem jamais entenderia. Do seu lado, de mãos dadas e apenas um pouquinho maior, a outra criança, loirinha, trajava uma roupa de dormir que quase lhe cobria os pés. Diziam que passava o dia desfilando pela casa, andando pelos corredores à noite, conversando entre sussurros com a mãe através do véu e do seu manto grosso de tristeza, mas não. Não era ela. 


A mais corajosa das irmãs era a que entrevia através do buraco da fechadura a hora em que a mãe se ajoelhava com uma vela. Seu nível de coragem ia descendendo à medida que, em meio aos prantos, a mãe conversava com alguém que ninguém mais via. Pra completar o terror, algo ou alguém passara, repentinamente, a chave no quarto pelo lado de fora. Sem conseguir ver nada mais o que acontecia por trás da porta, brigava com a mente para não imaginar as cenas de horror por trás dos gritos de dor que ecoavam pela casa…


A pior historia de terror não é sobre fantasmas. É sobre as despedidas que jamais entenderemos. Jamais.

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