sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Outro encontro na Sertanense (editar)

Eu me lembro, embora não com precisão.

Quando fecho os olhos, quase sinto os paralelepípedos antigos encostando no solado do calçado, os odores desagradáveis mas afetivamente conhecidos, vislumbro as cores de tintas desbotadas dos edifícios, a beleza consumida das ruas projetadas para nunca serem abandonadas.

Eu vejo as lojas passando à minha direita e à minha esquerda, farmácias, padarias, lanchonetes seculares, uma ponte de ferro atrás unindo um lado ao outro da cidade, os barulhos dos passos atravessando da Rua Nova à Imperatriz, aquela parede com poesia de Ariano pichada e com cheiro de mijo que poderia evitar passar perto, mas que era irresistível.

Vejo as igrejas nas ruas, as pequenas praças de fontes vazias, os pombos no alto, no céu azul ensolarado, a quantidade enorme de transeuntes, um mar gigante de pessoas e indigentes transmutando papelão em casas. 

E eu me lembro, embora não com precisão, das tantas  vezes em que caminhei, senti e vivi o centro da cidade. Do cheiro dos sebos, dos garimpos animadores, do brilho do vidro e pulseiras dos relógios enfileirados nos camelôs, dos ônibus passando com menos cuidado, menos conforto e mais passageiros do que deveriam. 

E entre rostos e buzinas de carros, também me vejo, ansiosa, em frente ao cinema São Luís, tomando todas as direções  que me levam ao teu encontro. Cabelo longo, quase cobrindo a mochila das costas, inconsequentemente de salto e de preto. Invariavelmente de preto

Da nossa família fosse a única que resolveu morar longe, saindo de Olinda para Boa Viagem. Da minha família fosse aquela que me acolheu e adotou quando minha mãe quase morreu na mesa de parto. Da minha família, sempre lembro que teus olhos eram os mais compreensivos e o teu apoio incondicional. 

E é claro que os caminhos da cidade continuam me levando  ao teu encontro, mesmo que a definitividade da morte não faça disso possível, mesmo que seja com gosto de lágrimas e um amargor de saudade que eu te vejo me esperando, em frente à lanchonete Sertanense da Rua Nova, para dividirmos um lanche, um misto, uma cartola e uma coca gelada, sentadas no balcão.  


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