segunda-feira, 5 de junho de 2023

Tentativa de roteiro de amor para uma história de assombração. (Editar)

(Início de roteiro introduzido em um conto anterior. A atmosfera e o nome da personagem principal descaradamente inspirado no Corvo de Edgar Allan Poe. 

Feriado. Frio. Muito frio. No entanto, o sol que entra pelas frestas da cortina, denuncia um dia lindo. Florido. Típica primavera inglesa. A viúva, sozinha na casa, olha pela cortina entreaberta. Rosto inexpressivo. Parece não sentir vida. Mais morta que o marido morto que a chama pelo nome agora:)

- Lenore?

 - Marcos, continuas semelhante embora transparente.

- Lenore, tanto tempo e essa conversa?

- Estou com frio, bem sabes que não consigo pensar bem nessa época do ano. E parece que você deixou o ambiente ainda mais gelado, querido.

- É uma tarde linda, Lenore, não reclame. Quis escolher esse dia para aparecer-lhe pois há de ser o mais bonito do ano. 

- É o que dizem de onde tu vens?

- Sim, percorremos todo o calendário.

- Não teremos pois um ano promissor, querido.

- Lenore... não mereço um abraço?

Ela aproximou-se. Passos lentos, coração tão frio quanto o tempo frio. 

- Não sou mais a mesma, querido.

- É claro que não, amor. E disso eu já sabia. 

Ele abriu os braços e ela permitiu-se ser abraçada por ele.

- Pensei ter ouvido tua risada ontem à noite.

- Talvez estejas sendo assombrada por outro espectro, amor. Eu só tenho o dia de hoje.

- Eu tinha esperanças que fosse você e ao mesmo tempo me recusei a acreditar porque sempre dói saber que não. Como agora.

- Agora estou aqui.

- Como vou saber se é verdade?

- Querida, não posso ajudá-la nisso, mas posso te dizer que deixei a melhor parte de mim em você. O meu próprio coração vivo mora nos dias que compartilhamos nesse mundo.

- Lembranças...

- Partir dói tanto quanto ficar, amor. O que sempre me ajudou a superar nossa forçosa separação foi saber que continuaria vivo nessas lembranças. É minha única forma de viver nesse mundo agora.

- Eu me recuso a ficar recordando, você sabe, não sabe?

- Sei e por isso, talvez, eu esteja morrendo de verdade - falou baixo evitando que ela escutasse.

- E eu? Quanto tempo ainda tenho, querido? - Funcionou.

- Não está nos livros, amor.

- Pensei que tudo haveria de estar escrito.

- Algumas coisas. Épocas do ano, temperaturas, alguns fatos da natureza. Nada sobre pessoas.

- Não estamos nos livros?

- Estamos, amor. Mas escrevemos nossas histórias dia após dia. E eu não estou gostando de ler o que andas escrevendo na sua. Por isso vim.

- Ah, e eu achando que foi por saudade.

- Foi por ela também, mas muito mais por amor. De onde eu venho, espero todo dia ler que você acordou, vestiu um lindo vestido florido, sentou naquela cadeira azul do jardim, deixou o sol iluminar cada parte desse corpo e alma maravilhosos e sorriu.

- Está frio demais pra isso, Marcos.

- Mas também é um dia de sol, amor.

- Você estará vendo?

- Eu vou estar lendo. Prometo imaginar. Também quero ler que esteves envolvida em longas conversas que acaloram o corpo e fazem o espírito saber que está vivo.

- Essas conversas... era assim com você.

- Sim, mas era você que me provocava a tê-las. Sei que continuas provocativa, amor e que há de ter maravilhosas conversas. 

- Soa como uma despedida...

- Na verdade é sim. Mas uma que já deveria ter acontecido muito tempo antes, Lenore.

- E você, querido? Como vai ficar?

- Vivo. Quando você permitir que eu reviva nas tuas memórias. E livre. Assim que permitires que a felicidade entre outra vez. 

- Está gelado, cada vez mais frio, Marcos.

- É minha deixa, amor. Quando eu partir agora, tudo vai aquecer. Me promete se permitir sentir esse calor?

Não houve tempo pra respostas. 

Mas um xale abandonado na sala vazia. 



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