segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Três da manhã

3 da manhã o relógio marca.
Me parece sintomático.

Os chás não funcionam, o remédio, o exercício, a meditação, o banho quente.
Me parece incurável.

Abro os olhos, a escuridão me confunde e demoro um pouco a perceber que realmente estou ali.

Então eu tento, antes de escrever, antes de visitar a varanda, antes de mais uma vez permitir que o silêncio me perturbe e me embarace, antes do encontro nada pacífico comigo mesma, antes de pensar nos problemas, ser invadida e tomada por eles, antes de acender o abajur pra ler um livro, preocupada que a claridade atrapalhe os sonhos de quem amo, 
eu tento voltar a dormir.
E eu quero os sonhos, quero apagar, quero deixar apenas o dia me lembrar de coisas que quero esquecer. 
Quero ter as noites pra mim.
Mas me parece sintomático.

(...)

3 da manhã, desisti, estou na décima terceira linha.
Começo a deixar os pensamentos ganharem espaços e ir pra aquele lugar que só conseguirei chegar depois do último ponto.
Na mente, essa música toca. 
Ela repete e repete o mesmo som que terminei ouvindo a semana inteira.
Me sinto impregnada de "3 o'clock blues" e se em algum momento um som contagia, acho que aconteceu na primeira vez que escutei essa música e mais recentemente quando ela voltou a tocar pra mim. Febre. 
Me parece sintomático.

Lembro da primeira e do efeito que a melodia causou no meu corpo e minha mente.
Lembro que achei a música perfeita pra fazer amor ou pra dançar sozinha e ser observada, embora a minha ousadia seja mais do tipo que prefere convidar pra dançar junto.
Lembro que também e ainda acho uma das mais perfeitas pra sentar no sofá, dividir dias, sonhos, planos e segredos.
Lembro que penso nela como a música dos encontros, mesmo que seja sobre os desencontros e como, algumas vezes faz todo sentido esse tipo de coisa sem lógica.
Lembro que é maravilhoso escutar ela no carro e torcer pra que os sinais fiquem vermelhos, querendo prolongar o momento.
Lembro de entrar logo nas favoritas e aparentemente ainda estar ali.
Lembro de um projeto novo que tenho me empenhado (pouco) sobre músicas que viram contos.
Penso que algumas músicas são tão deliciosamente perfeitas, que qualquer coisa perto delas é menos, é menor, é desinteressante. Imagina um texto meu. 

Mas são três da manha e eu também não consigo fechar os olhos e me sentir satisfeita.
Então começo, mesmo sabendo da inutilidade do resultado:

Quase três da manhã, 
estou em Golden Ground 
e poderia ser uma noite incrível.

...

(Pro início, me pareceu melhor do que esperava e começo a achar que talvez, depois do último ponto, as pálpebras cansem, o sono venha e eu consiga, enfim, dormir. 

Quanto a música, acho que vai voltar a tocar aqui por um tempo. No carro, na mente, nos momentos de dividir segredos, de dançar e de fazer amor.
Me parece incurável).

 


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