quarta-feira, 23 de março de 2022

(Minha parte no conto a três)

Estava diferente, sentia diferente.

Nos filmes, quando apertavam o abdômen, não encharcavam a mão de sangue. 

Nos filmes, geralmente existe um grito no estampido, uma agonia no som do bala rasgando a pele e outros tecidos do corpo e não essa surpresa muda de ser baleado praticamente no meio da rua e só perceber tarde demais.

Nos filmes, eles caem lentamente encostando-se na parede e deixando um rastro parecido com pintura registrado.

Nos filmes, eles parecem reviver no curto espaço que separa a vida da morte, histórias que valeram a pena, alguma conformidade, mas dor na despedida e não aquele branco desesperador de quem simplesmente vai. 

Sim, parecia diferente de tudo nos filmes: minha morte iminente, o pouco caso da multidão que preferiu continuar o protesto a conferir o corpo no chão e a gargalhada que soltei cheia de sarcasmo, fazendo mau uso do que parecia ser o meu último fôlego e que, aparentemente, a atraiu e fez correr em minha direção. 

Sim, tudo diferente dos filmes, tudo, menos ela. 

Fiz um esforço incrível pra não fechar os olhos quando ela chegou.

A sua imagem...coisa de cinema. 


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