terça-feira, 8 de março de 2022

Não incomoda receber flores de quem entende


Teve episódios terríveis com homens. Não com os que escolheu. Os que escolheu e deixou chegar perto não a viram como objeto. Ela nunca deixaria se aproximar de verdade quem a enxergasse assim.
Mas os que escolheu foram poucos. Conta nos dedos de uma palma da mão. Ou menos, por ser seletiva ou por nunca ter tido os melhores exemplos de homens por perto ou simplesmente porque tinha muita dificuldade em se apaixonar de verdade mesmo. Achava muito desgastante. 

O problema sempre foi os que não escolheu, mas escolheram ela. Esses prejudicavam tudo. Até suas suaves intenções de romance futuras. Faziam com que desacreditasse. E aconteceu muito cedo, era quase uma criança. Uma brincadeira de esconder transformada em um momento de assédio, onde só poderia sair do esconderijo depois de um beijo. O primeiro que recebeu. Na verdade, o primeiro que lhe foi roubado. Assim como seria, um pouco adiante, a sua primeira vez. Um lugar que não escolheu, uma pessoa que nunca escolheria, uma bebida que não gostava, uma amiga que não era amiga e que chamou suas tentativas de fuga de frescura. Uma armadilha que não conseguiu escapar ali e que permaneceu presa por incontáveis anos depois. 

Esses dois fatos, por terem sido primeiros, tomam uma importância maior nesse texto e acho que representam bem os episódios terríveis citados na primeira frase. Falar ainda do que sucedeu depois deles e com os dois personagens masculinos envolvidos é o tipo de coisa que não quer dá relevância agora. "Esses 'homens' não merecem ser referenciados em lugar algum", me falou e concordei.  No entanto, não foi assim que terminamos nossa conversa. Ela continuou:

- Sabe, falar desse tipo de coisa é um mal que termina fazendo de certa forma um bem. Relembrar é doloroso, há cicatrizes recém ou não curadas, me sinto exposta, quando odeio exposição. Odeio que as pessoas visitem esses meus espaços íntimos que eu não queria que estivessem ali. Na verdade, nem gosto que muita gente visite meus espaços íntimos porque são meus e expô-los assim é contra minha natureza. Então eu tento separar. É como se não fosse minha fala, mas a fala de outras pessoas que passaram por coisas piores ou parecidas. Um eco, sabe? Um eco porque precisa ser repetitivo e incomodar. Saber que me levantei dessas intempéries e de outras que não comentei me faz sentir forte, mas sei que não sou regra, sou exceção. Uma que se levanta e diz pra outra que tem jeito. Queria que ecoasse hoje mais dessa forma. Compartilhar importa,  não estar sozinha importa, um abraço importa, tentar mudar importa. Deu pra entender? Não quero apenas um relato triste, quero que soe também como impulso, estímulo, furor, enfrentamento, poder. Um "vamos, resiste, não desiste”. Será que tem como soar assim? Não é que me incomode receber flores, longe disso. O que me incomoda é recebê-las de quem não entende. 

Nenhum comentário: