sexta-feira, 10 de junho de 2022

IV- Um beijo de quem vai dançar e chorar as festas juninas e um abraço que te convida pra ver o sol nascer (editar)

Tania,

Ouvi teu áudio emocionado ontem, falando sobre o quão especial foi a última carta que enviei e me pedindo tempo pra responder à altura.

Mal sabe você, irmã, que especial é termos iniciado essa correspondência e qualquer palavra tua é mais que suficiente pra transformar todo o meu dia. Mesmo a intenção de te escrever, mesmo esse momento de agora, em que atropelo a tua carta e te envio essa minha, me faz abrir um sorriso muito meu. Sabe aquele? Pequeno e discreto, mas que tá ali? Te dedico ele agora.

O motivo que me fez pular tua resposta, nasce da simples vontade de querer te escrever. Ou talvez, sendo sincero, das coisas que me aconteceram por esses dias e que tive vontade de te contar porque sei que você compreenderia. É tão natural de você isso de não julgar. Me acostumei com esse espaço de acolhimento, é confortável, é como um abraço. Saudades do teu. Te escrevo querendo um abraço.

Tem duas datas pela frente que estão mexendo comigo, irmã. E talvez outra mais. O certo é que o dia 14 e dia 15 do mês de junho desse ano serão diferente. O primeiro, aniversário do nosso pai e o segundo o aniversário de nossa tia, cujas comemorações foram adiadas com a morte deles. Indefinidamente. 

Talvez não fosse tão difícil e não me fizesse pensar no tema de forma tão frequente se não ocorressem, coincidentemente, em sequencia. Assim como foi a partida deles. Assim como vieram os lutos. Talvez também eu lidaria melhor e deixaria passar essa triste coincidência, Tania, se eu não estivesse me sentindo enganado pela própria forma que sempre preferi enxergar a vida. Esperando o afago, no lugar do golpe. Jamais acreditando que algo poderia me derrubar porque eu não permito. Achando que me quebrar é difícil, que vou em frente, que não pestanejo, que sou suficientemente forte, apesar da minha aparência frágil. E, pelo visto, não é bem assim.

O fato é que eu sempre me levanto sim, irmã, sempre. Mas eu pestanejo. Você não vai notar, se não me olhar de perto (o que é difícil porque não permito), mas eu pisco, minhas lágrimas caem, abaixo a cabeça pra vê-las molharem o chão discretamente, dobro um joelho, vou me erguendo aos poucos e lentamente piso no espaço onde as lágrimas caíram apagando-as dali. E assim, escondo e parto. Só que algumas vezes é bem mais difícil. 

Ah, irmã, estou bem dramático hoje, falando de morte e de lágrimas e também isso me incomoda. Levantei até na terapia esse tema, sobre mudanças. Disse que tinha saudade de mim, de ser mais otimista. 

Pra terapeuta, essa questão é mais latente com a juventude, com a ingenuidade e é próprio do amadurecimento mesmo saber que faz tanto parte da vida as coisas boas quanto as ruins. Até mais as ruins (embora os momentos de felicidade sejam tão intensos e poderosos que a impressão é que sobrepõem todos os outros). Só que enxergar e olhar apenas pra uma delas é o que adoece as pessoas, Tania. E o que me salva é concordar com isso e não me permitir assim. 

As vontades que tenho de me alegrar, a disposição que tenho pra isso, mesmo quando me sinto desconstruído, partido e quebrado, é bem de mim. Assim como tem sido a permissão que venho buscando de me sentir a vontade quando nao estou bem também. Somos mais que algumas partes, querida irmã. Somos várias e todas elas - concordas? 

No momento, quero sorrir. Estou com boa energia pra isso. Também quero sentir essas datas ruins que me esperam como algo que inevitavelmente irá doer e, passando,  viver as festas juninas que virão depois delas. Eu gosto. Gosto de odiar o barulho de fogos, mas achar bonito vê-los no céu. Gosto de ouvir alguém cantando sobre os dois tipos de saudade e como algumas são amargas "que nem jiló", enquanto outras apenas passam. Gosto de dançar ao som de músicas que me despertam sentimentos e gosto de estar perto das pessoas que também me despertam isso. E olha que nem tenho filhos! Fico imaginando como me sentiria cada vez que ouvisse até seus simples passos pelo corredor. E olha que não tenho amor - e só posso imaginar como algo assim é poderoso e trasnformador. A verdade é que gosto de continuar, Tania. 

Sabe Cartola? Hoje de manhã, caminhando, escutei Cartola em algum lugar do centro da cidade. Era pra estarem colocando Pagode Russo em último volume, mas ali estava alguém, como eu, escolhendo ouvir que nas esquinas sempre existirão coisas que irão nos transformar, que triturarão os nossos sonhos, que nos quebram. É inevitável. Só que é aí que a composição dele me acerta. No agridoce. No ponto em que reconhece, aceita, não nega e, apesar de, não deixa de ir. 

Irmã, nunca fui de transcrever textos ou músicas de outras pessoas nas minhas cartas, mas dessa vez, me permite? Parece que me calar e deixar Cartola falar e cantar por mim seria o melhor desfecho. Encerro essas linhas minhas, te pedindo que além de ler, escute essa música. Há uma ondulação no timbre, na voz e nas notas, como que denotando o que ele quer contar ali. Tem um vai e vem que combina com tudo que te escrevo agora. E mais: o que tu vai entender, mesmo que eu não precise te falar sobre. A poesia.

"Deixe-me ir/Preciso andar/Vou por aí a procurar /Rir pra não chorar
Quero assistir ao sol nascer/Ver as águas dos rios correr/Ouvir os pássaros cantar/Eu quero nascer/Quero viver
Deixe-me ir/Preciso andar/Vou por aí a procurar /Rir pra não chorar

Se alguém por mim perguntar/Diga que eu só vou voltar/Depois que me encontrar".

Um beijo de quem vai dançar e chorar as festas juninas e um abraço de quem quer assistir ao sol nascer e te convida para as duas coisas,
MarCê-lo.
Obs: Nem te perguntei sobre você porque ainda estou esperando as respostas da última carta. Me atualiza duas vezes agora. 

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