terça-feira, 7 de junho de 2022

III - Um beijo de café e um abraço cheio de vontade de ouvir pássaros

Querida Tania,

Iniciei os meus rituais do trabalho e estava quase começando a me resignar com outro dia igual, quando tuas palavras chegaram e, com elas, inspirações pra recomeços.

Sinceramente, não achei que teria disposição pra esse dia. Está frio, dormi mal, comi pouco e emagreci ainda mais - minhas roupas denunciam isso, apesar da minha balança sem pilha continuar calada.

Eu tenho um espelho grande em casa - você sabe apesar de nunca ter vindo aqui, te mostrei no vídeo que enviei assim que me mudei pra essa casa. Além de apontar minha habitual magreza, no dia a dia, ele reflete e me mostra o algo que aprendi a mostrar pra todos. A aparência. Lembra que sempre desejei que vissem além? Fugi contigo durante a faculdade pra tatuar isso. Pois bem, continuo. 

Sobre a casa e o vídeo, até me recordei da alegria com a mudança, Tania. Da empolgação. É estranho como podemos ainda ser ingênuos com trinta e poucos anos, não é?  Ou como é mais doce nos enganar pra evitar amargores indigeríveis. Naquele momento, Tania, eu achei que tudo iria melhorar. Uma casa ampla, um jardim, uma grama pra pisar, deitar, uma enorme varanda pra assistir nascer o dia. Um quintal de fundo com paredes brancas - onde sonhei escrever e desenhar boas histórias pros visitantes lerem e se alegrarem enquanto se reuniam ao redor da churrasqueira. Eu preparei todo o ambiente pra visitas, Tania. Mais que o local, preparei meu coração. Ando muito cansado de não ver pessoas. Lembra como era o entra e sai da nossa antiga casa? Aquele barulho e bagunça que a gente se acostumou? A campainha que toca, alguém que abre a porta de repente (aqui todos torcendo que fosse da família), alguém que corre pra abrir, o "já vai" das tias, o cachorro do vizinho - Tito - latindo com a movimentação? Pois é, por aqui só escuto passarinhos. 

E não é que eu não goste de barulho de pássaros, Tania, você sabe que eu tenho uma predisposição natural pra gostar de coisas que vivem e até mais das que voam e pássaros sempre foram a minha paixão. Mas é nesse silêncio que incomoda que tenho encontrado eles. Deveria ser um alento pro meu coração, um canto pra saudar o dia. Então por que, na verdade, é uma agonia?

Me decepciono comigo, irmã. Parece que poderia morar em vários lugares que sonhei a vida inteira e ainda assim encontraria motivos pra não me sentir bem neles. Mesmo com passarinhos. 

Mas é cedo e um café me espera na cafeteira. Vou pegar a xícara e me aquecer com cada gole, assim como me aqueci com tuas palavras,

Fico feliz que continues amando as águas. Mergulhar nas profundezes, nas pessoas, nos sentimentos, sempre foi algo muito próprio seu. Está no brilho dos teus olhos quando conversas, sorris, falas besteiras. Quando perguntas por mim. Por todos. No carinho e no cuidado. 

Não saber de si acho que é muito próprio de quem realmente está se buscando - é o que me convenço. E, olha, o que tens passado é de se virar e desvirar do avesso. E aí estás, em busca. Não se cobra tanto, seja paciente e benevolente com você assim como tão bem és com todos. Também não tenta demais achar as respostas, deixa que venham. Dia a dia, momentum a momentum (lembra?). Viva.

Te agradeço por tanto, mas hoje só pelo agora. No agora, não escuto nada.... mas não é que até me bateu vontade de escutar os passarinhos? A culpada é você.

Um beijo quente de café e um abraço cheio de vontade de ouvir pássaros,

MarCELo.

Obs: vou tentar revisitar as paredes e te enviar coisas boas que estão registradas nelas, desde que me prometas enviar de volta o que quer que toque por aí também. 

Nenhum comentário: