Fim de noite.
Ela caminha pela casa inteira, despindo as peças da roupa que passou o dia usando, excepcionalmente cansada.
Entra no chuveiro, deixa a água quente escorrer pelo corpo, passa longos minutos de olhos fechados, completa seu curto ritual de beleza, creme, shampoo e sabonete, enrola uma toalha no corpo, cabelos ainda pingando, paciência quase nenhuma para secá-los, vontade muito pouca de procurar outra roupa, deita no quarto.
Em algum momento, apagou a luz ou talvez nem a tenha acendido, mas quando despertou, ainda madrugada, foi abraçada pela escuridão.
Com frio por ter dormido apenas com a toalha, pensou que deveria levantar, colocar uma roupa, recolher as que deixara espalhadas, secar o cabelo pra que amanhecesse menos desarrumado ou simplesmente aquecer-se de alguma forma. Até ensaiou a disposição pra todas essas coisas, quase teve até vontade de fazê-las, mas continuou deitada, dessa vez acordada, olhando pro teto.
Ela amava o silêncio da madrugada e fez um esforço grande pra não deixar aquele momento ser invadido por qualquer pensamento.
Era libertadora a letargia, a simplicidade de aguardar que o dia amanhecesse, observando a paleta de cores da noite serem lentamente substituídas pela paleta dos raios do dia. Era quase pecaminoso com o tudo, com o resto, o deleite, todos os sentimentos que a envolviam, a naturalidade com que aceitava e recebia apenas o momento.
Quase permitiu evocar algo do ontem, do amanhã, mas foi tão intensamente e avassaladoramente dominada pelo agora que destruiu as intenções antes mesmo de seu início.
É que estava cansada. Assustadoramente esgotada. Embaraçosamente sem nenhum energia.
O que já não havia nela, não poderia nem pensar em oferecer.
Era injusto, era estúpido, era até indecente.
O silêncio, as cores, o fim da noite, o início do dia, a cama em que sonhou a maioria dos sonhos e despertou de todos eles, era tudo, era o mundo, era só o que importava.
Era egoísta, egocêntrico, comodista, sentia-se mal.
E, inevitavelmente, bem também.
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